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14 de julho de 2011

A Árvore da Vida - Um Estudo sobre Magia - PRIMEIRA PARTE

Adão Kadmon, o homem celestial


É expressão comum nos lábios de muitos a reiteração de que a espécie humana hoje, com todas suas enfermidades e aberrações, chafurda às cegas num terrível pântano .

Mensageiro da morte e munido de tentáculos de destruição, esse pântano colhe a espécie humana com crescente firmeza para seu seio, ainda que com grande sutileza e furtivamente .

Civilização, por mais curioso que seja, civilização moderna é o seu nome. Os tentáculos, que são os instrumentos inconscientes de seus golpes catastróficos, partem da estrutura enferma, falsa e repugnante do sistema social decadente e do conjunto de valores em que estamos envolvidos. E agora, toda a textura do mundo social parece estar em processo de desintegração. Pareceria que a estrutura da ordem nacional está mudando da ruína econômica para aquele abandono derradeiro e insano que pode contemplar a extinção dessa estrutura num precipício escancarado rumo à completa destruição. Enraizados firmemente na plenitude da vida individual, os até aqui robustos bastiões de nossa vida estão sendo ameaçados como jamais o foram. Parece cada vez mais impossível diante do poente de cada sol para qualquer um reter mesmo a mais ligeira porção de seu legado divino e individualidade e exercer aquilo que faz de nós homens. Apesar de terem nascido em nossa época e tempo, aqueles poucos indivíduos que estão cientes mediante uma certeza isenta da dúvida de um destino que os impulsiona imperiosamente rumo à realização de suas naturezas ideais, constituem, talvez, as únicas exceções. Estes, a minoria, são os místicos de nascimento, os artistas e os poetas, os que contemplam além do véu e trazem de volta a luz do além. Encerrada dentro da massa, contudo, existe ainda uma outra minoria que, embora não plenamente consciente de um destino imperioso, nem da natureza de seu eu mais profundo, aspira ser diferente das massas complacentes. Presa de uma ansiedade íntima, mantém-se inquieta na obtenção de uma integridade espiritual duradoura. É impiedosamente oprimida pelo sistema social do qual constitui parte e cruelmente condenada ao ostracismo pela massa de seus camaradas. As verdades e possibilidades de um contato reintegrador com a realidade que pudesse ser estimulado aqui e agora, durante a vida e não necessariamente por ocasião da morte do corpo, são cegamente ignoradas. A atitude singularmente tola adotada pela maior parte da moderna humanidade européia “inteligente” para com essa aspiração constitui um grave perigo para a raça, a qual se permitiu com demasiada impaciência o esquecimento daquilo de que realmente depende, e de que é continuamente nutrida e sustentada tanto em sua vida interior quanto exterior. Agarrando-se avidamente à evanescência flutuante da precipitada existência exterior, sua negligência com relação aos assuntos espirituais somada à sua impaciência para com seus semelhantes mais perspicazes constitui um marca de fadiga e nostalgia extrema .

Embora desgastado, o adágio “onde não há visão as pessoas perecem” não deixa de ser verdadeiro e digno de ser repetido porquanto expressa de maneira peculiar a situação hoje preponderante. A humanidade como um todo, ou mais particularmente o elemento ocidental, perdeu de algum modo incompreensível sua visão espiritual. Uma barreira herética foi erigida separando a si mesma daquela corrente de vida e vitalidade que, mesmo atualmente, a despeito de impedimentos e obstáculos propositais, pulsa e vibra ardentemente no sangue, invadindo a totalidade da estrutura e forma universais. As anomalias que se nos apresentam hoje se devem a esse rematado absurdo. A espécie humana está lentamente cometendo seu próprio suicídio .

Um auto-estrangulamento está sendo efetivado mediante uma supressão de toda a individualidade, no sentido espiritual, e de tudo que a tornou humana. Prossegue sonegando a atmosfera espiritual de seus pulmões, por assim dizer. E tendo se separado das eternas e incessantes fontes de luz e vida e inspiração, eclipsou-se deliberadamente diante do fato – com o qual nenhum outro pode comparar-se em importância – de que existe um princípio dinâmico tanto dentro quanto fora do qual se divorciou. O resultado é letargia interior, caos e desintegração de tudo o que anteriormente era tido como ideal e sagrado .

Formulada há séculos, a doutrina ensinada por Buda é vista por mim como aquela que apresenta uma possível razão para esse divórcio, esse caos e essa decadência. Para a maioria das pessoas, a existência está inevitavelmente associada ao sofrimento, à tristeza e à dor. Mas embora Buda tenha, com efeito, ensinado que a vida era repleta de dor e miséria, estou inclinado a crer, ao lembrar a psicologia do misticismo e dos místicos, dos quais era ele indubitavelmente um par, que esse ponto de vista foi por ele adotado tão-somente para impulsionar os homens fora do caos rumo a obtenção de uma modalidade de vida superior .

Uma vez superado o ponto de vista do ego pessoal, resultado de eras de evolução, o homem pôde ver os grilhões da ignorância caírem por terra revelando uma paisagem desimpedida de suprema beleza, o mundo como uma coisa viva e júbilo infindável. Não será visível para todos a beleza do sol e da lua, o esplendor das estações alternando-se ao longo do ano, a doce música do romper do dia e o fascínio das noites sob o céu aberto? E o que dizer da chuva escorrendo pelas folhas das árvores que se elevam aos portais do céu, e o orvalho na madrugada insinuando-se sobre a relva, inclinando-a com pontas de lança prateadas? A maioria dos leitores terá ouvido falar da experiência do grande místico alemão Jacob Boehme, que, após sua visão beatífica, penetrou os campos verdejantes próximos de seu povoado contemplando toda a natureza flamejante de luz tão gloriosa que até as tenras folhinhas de grama resplandeciam com uma graça e beleza divinas que ele jamais vira antes. Considerando que Buda tenha sido um grande místico – superior, talvez, a qualquer outro de que o leitor médio tem conhecimento – e que detinha uma grande compreensão da atuação da mente humana, é-nos impossível aceitar em seu valor aparente o enunciado de que a vida e o viver constituem uma maldição. Prefiro sentir que essa postura filosófica foi por ele adotada na esperança de que mais uma vez pudesse a humanidade ser induzida a buscar a inimitável sabedoria que perdera a fim de restaurar o equilíbrio interior e a harmonia da alma, cumprindo assim seu destino desimpedida pelos sentidos e pela mente. Obstando este gozo estático da vida e tudo o que o sacramento da vida pode conceder, existe uma causa radical da dor. Em uma palavra, ignorância. Por ignorar o que em si é realmente, por ignorar seu verdadeiro caminho na vida, o homem é, como ensinou Buda, tão acossado pela tristeza e tão duramente afligido pelo infortúnio .

De acordo com a filosofia tradicional dos magos, cada homem é um centro autônomo único de consciência, energia e vontade individuais – numa palavra, uma alma – como uma estrela que brilha e existe graças à sua própria luz interior, percorrendo seu caminho nos céus reluzentes de estrelas, solitária, sem sofrer qualquer interferência, exceto na medida em que seu curso celeste seja gravitacionalmente alterado pela presença, próxima ou distante, de outras estrelas. Visto que nos vastos espaços estelares raramente ocorrem conflitos entre os corpos celestes, a menos que algum se extravie de sua rota estabelecida – acontecimento bastante esporádico –, nos domínios da espécie humana não haveria caos, haveria pouco conflito e nenhuma perturbação mútua se cada indivíduo se contentasse em estar firmado na realidade de sua própria consciência superior, ciente de sua natureza ideal e de seu verdadeiro propósito na vida, e ansioso para trilhar a estrada que tem de seguir. Por terem os homens se desviado das fontes dinâmicas a eles e ao universo inerentes, por terem abandonado suas verdadeiras vontades espirituais, e por terem ainda se divorciado das essências celestiais, traídos por um prato de guisado mais repugnante que qualquer um que Jacó tenha vendido a Esaú, o povo que o mundo hoje nos apresenta exibe aspecto tão desesperançado e uma humanidade vincada na sua aparência pelo desalento. A ignorância do curso da órbita celeste e do seu significado inscrito nos céus perenemente constitui a raiz que se encontra no fundo da insatisfação, infelicidade e nostalgia da raça, as quais são universais. E por isso a alma viva brada por socorro aos mortos, e a criatura a um Deus silente. De todos esses brados geralmente nada resulta. As mãos erguidas em súplica não trazem qualquer sinal de salvação. O frenético ranger de dentes resulta tão-somente em desespero mudo e perda de energia vital. Só existe redenção a partir de nosso interior, e ela é lavrada pela própria alma mediante sofrimento e no decorrer do tempo graças a muito empenho e esforço do espírito .

Como, então, poderemos retornar a essa identidade estática com nossos eus mais profundos? De que modo pode ser realizada essa necessária união entre a alma individual e as Essências da realidade universal? Onde o caminho que conduziria finalmente ao aprimoramento e melhoramento do indivíduo e conseqüentemente à solução dos desconcertantes problemas do mundo dos homens? --- O aparecimento do gênio, independentemente dos vários aspectos e campos de sua manifestação, é marcado pela ocorrência de um curioso fenômeno acompanhado quase sempre por visão e êxtase supremos. Essa experiência a que faço alusão é indubitavelmente a indicação de qualidade e legitimidade e a marca essencial de realização genuína. Essa experiência apocalíptica não é concedida à mediocridade. À pessoa ordinária, carregada como se acha com o dogma e a tradição fatigada raramente ocorre esse lampejo de luz espiritual que faz sua descida em esplêndidas línguas de chama como o Espírito Santo de Pentecostes, radiante de alegria e da mais elevada sabedoria, prenhe de inspiração espontânea. Os sofisticados, os saturados pelos prazeres, os diletantes – esses estão excluídos por barreiras intransponíveis dos méritos de sua bênção. Para os que têm talento tão-somente essa revelação não acontece, embora o talento possa ser um ponto de partida para o gênio. O gênio não é e nunca foi no passado simplesmente o resultado de zelo e paciência infinitos. Mas penso que pouca importância necessite ser dada à definição reiterada freqüentemente relativa a uma certa alta percentagem de transpiração associada a um reduzidíssimo restante de inspiração. Por maior que seja o valor da transpiração, ele não pode produzir os efeitos magníficos do gênio. Em todo campo do empreendimento na vida cotidiana, em toda parte vemos realizada uma imensa quantidade de excelente labor, indispensável como tal, em que se vertem literalmente litros de suor sem que se evoque, de fato, uma fração de uma idéia criativa ou de uma exaltação. Essas expressões exteriorizantes do gênio – zelo, paciência, transpiração – são simplesmente as manifestações de uma superabundância de energia procedente de um centro oculto de consciência. Não passam de meios pelos quais o gênio se distingue, esforçando-se para tornar conhecidos aquelas idéias e aqueles pensamentos que foram arremessados para dentro da consciência e penetraram aquela linha divisória que logra demarcar e separar o profano daquilo que é divino. O gênio em si é produzido ou ocorre concomitantemente com uma experiência espiritual da mais elevada ordem intuicional. É uma experiência que, trovejando do empíreo como um raio ígneo proveniente do trono de Júpiter, traz consigo uma inspiração instantânea e uma retidão duradoura, com uma realização de todos os anseios da mente e da constituição emocional .

Não pretendo investigar a causa primordial dessa experiência, familiar àqueles raros indivíduos cujas vidas foram assim abençoadas desde a sua tenra infância até os seus derradeiros dias. Uma tal investigação me levaria longe demais, conduzindo ao domínio de impalpabilidades metafísicas e filosóficas, no qual de momento não desejo ingressar. A reflexão, contudo, produz um fato bastante significativo. Aqueles indivíduos que receberam o título de “gênio” e foram chamados de grandes pela espécie humana foram os receptores de uma tal inimitável experiência que mencionei. Embora possa muito bem ser uma generalização, trata-se, não obstante, de uma generalização que traz consigo a marca da verdade. Muitas outras pessoas inferiores cujas vidas receberam alegria e brilho de maneira similar foram capacitadas conseqüentemente a realizar uma certa obra na vida, artística ou secular, que, de outra forma, teria sido impossível .

Agora constitui um postulado mais ou menos lógico aquele que se conclui como uma direta conseqüência da premissa precedente, a saber: supondo que fosse possível através de uma espécie detentora de treinamento psicológico e espiritual induzir essa experiência ao interior da consciência de vários homens e mulheres dos dias de hoje, a humanidade como um todo poderia ser elevada além das aspirações mais sublimes, e surgiria uma poderosa nova raça de super-homens. Na realidade, é para essa meta que a evolução tende e o que é encarado por todos os reinos da natureza. Desde os primórdios, quando o homem inteligente surgiu pela primeira vez no palco da evolução, devem ter existido métodos técnicos de realização espiritual por meio dos quais a verdadeira natureza humana poderia ser averiguada, e por meio dos quais, ademais, o gênio da mais alta ordem desenvolveu-se. Este último, poderia acrescentar, foi concebido como sendo apenas o subproduto e a eflorescência terrestre da descoberta da órbita do Eu estrelado, e em tempo algum, pelas autoridades desta Grande Obra, foi em si considerado um objeto digno de aspiração. O “Conhece-te a ti mesmo” foi a suprema injunção impulsionando o elevado esforço deles. Se a criatividade do gênio se seguia como um resultado da descoberta do eu interior e da abertura das fontes da energia universal, se a inspiração das Musas resultava ou de um estímulo na direção de alguma arte ou filosofia ou da ocupação de leigo, tanto melhor. No começo do treinamento, todavia, esses místicos – pois foi com esse nome que essas autoridades passaram a ser conhecidas – eram completamente indiferentes a qualquer outro resultado além do espiritual. O conhecimento do eu e a descoberta do eu – a palavra “eu” sendo usada num sentido grandioso, noético e transcendental – eram os objetivos primordiais .

Se as artes têm sua origem na expressão da alma que escuta e vê onde para a mente exterior existem meramente silêncio e trevas, então evidentemente o misticismo é uma e talvez a maior das artes, a apoteose da expressão e do esforço artísticos. O misticismo, graças a algum suave decreto da natureza, tem sido sempre e em todos os tempos a mais sagradas das artes .

O místico realmente abriga em seu peito aquela tranqüilidade que com freqüência se registra no rosto sereno do sacerdote exaltado ao altar. Ele é um reconhecido intermediário e porta-voz, as duas chaves sendo colocadas em suas mãos. Ele é, tanto as eras quanto seus colegas nas outras artes o admitem, mais diretamente introduzido ao interior do Santuário e mais imediatamente controlado pela psique. É por essa razão que seus sucessos são o sucesso de toda a humanidade em todos os tempos. Mas seus fracassos bastante freqüentes, quase como uma nova ruína de Lúcifer, são amargamente reprovados. Um mau poeta ou um mau músico é apenas alvo da censura daqueles de sua arte em particular, e seus nomes logo se apagam da memória de seu povo. Uma charlatão ou um falso mago, entretanto, põem em perigo o mundo inteiro, arrojando um pesado véu sobre a luz translúcida do espírito, a qual era sua principal tarefa trazer aos filhos dos homens. É por essa razão, também, que ele é em toda época somente para os muito poucos; mas, do mesmo modo, ele é para todos os poucos em todas as épocas. Glorificado com as beatitudes de todos os artistas e profetas de todas as épocas, sofre ignominiosamente com o vilipêndio deles, pois eles, como ele próprio, são místicos. Ele é solitário. Afastou-se para o seio das solidões subjetivas. Para onde ele foi – aonde poucos podem segui-lo a não ser que também tenham as chaves – ele é elogiosamente aclamado com canções e ditirambos.

Não é um conhecimento teórico do eu que o místico busca, uma filosofia puramente intelectual sobre o universo – embora isso, inclusive, tenha seu lugar. O místico procura um nível mais profundo de compreensão. A despeito da retórica sobre a poder absoluto da razão, os lógicos e os filósofos de todos os tempos estavam intimamente convencidos da impropriedade e impotência fundamentais da faculdade do raciocínio. Dentro dela, acreditavam eles, existia um elemento de autocontradição que anulava seu uso na busca da realidade suprema. Como prova disso toda a história da filosofia se apresenta como eloqüente testemunho. Acreditaram os místicos, e a experiência o confirmou reiteradamente, que apenas transcendendo a mente, ou com a mente esvaziada de qualquer conteúdo e tranqüilizada como uma lagoa de serenas águas azuis, um relance da Eternidade podia ser refletido. Uma vez acalmadas ou transcendidas as alterações do princípio pensante, uma vez subjugado o turbilhão contínuo que é uma característica normal da mente normal, substituídos por uma serena quietude, podia então, e agora somente, ocorrer aquela visão de espiritualidade, aquela experiência sublime das épocas, que ilumina todo o ser com o calor da inspiração e da profundidade, e uma profundidade de imagens do tipo mais elevado e que tudo abarca .

A técnica do misticismo se subdivide naturalmente em duas grandes classes. Uma é a magia, da qual nos ocuparemos neste tratado, e a outra é a ioga. E aqui é necessário registrar um veemente protesto contra os críticos que, em oposição ao misticismo – por cujo termo se compreende um tal processo como a ioga ou contemplação –, posicionam a magia como algo completamente à parte, não-espiritual, mundano e grosseiro. Julgo essa classificação contrária às implicações de ambos os sistemas e inteiramente incorreta, como tentarei mostrar daqui para a frente. Ioga e magia, os métodos de reflexão e de exaltação, respectivamente, são ambos fases distintas compreendidas no único termo misticismo. Apesar de freqüentemente empregado de maneira indevida e errônea, o termo misticismo é utilizado ao longo de todo este livro porque é o termo correto para designar aquela relação mística ou estática do eu com o universo. Expressa a relação do indivíduo com uma consciência mais ampla ou no interior ou exterior de si mesmo quando, indo além de suas próprias necessidade pessoais, ele descobre sua predisposiçã a finalidades mais abrangentes e mais harmoniosas. Se essa definição estiver em consonância com nossos pontos de vista, então será óbvio que a magia, igualmente concebida para executar essa mesma necessária relação, porquanto mediante diferentes métodos, não pode satisfatoriamente ser colocada em oposição ao misticismo e às vantagens de um sistema laudatoriamente celebradas em oposição às impropriedades do outro, pois os melhores aspectos da magia constituem uma parte, tal como o melhor da ioga constitui também uma parte daquele sistema completo, o misticismo .

Tem-se escrito muito sobre ioga, de tolices e algo digno de nota. Mas todo o segredo do Caminho da União Real está contido no segundo aforismo dos Sutras de Ioga de Patanjali .

A ioga busca atingir a realidade solapando as bases da consciência ordinária, de maneira que no mar tranqüilo da mente que sucede a cessação de todo pensamento, o eterno sol interior de esplendor espiritual possa brilhar para derramar raios de luz e vida, e imortalidade, intensificando todo o significado humano. Todas as práticas e exercícios nos sistemas de ioga são estágios científicos com o objetivo comum de suspender completamente todo pensamento sob vontade. A mente precisa estar inteiramente esvaziada sob vontade de seu conteúdo. A magia, por outro lado, é um sistema mnemônico de psicologia no qual as minúcias cerimoniais quase intermináveis, as circumambulações, conjurações e sufumigações visam deliberadamente a exaltar a imaginação e a alma, com a plena transcendência do plano normal do pensamento .

No primeiro caso, o machado espiritual é aplicado à raiz da árvore, e o esforço é feito conscientemente para minar toda a estrutura da consciência com o fito de revelar a alma abaixo .

O método mágico, ao contrário, consiste no empenho de ascender completamente além do plano de existência de árvores, raízes e machados. O resultado em ambos os casos – êxtase e um maravilhoso transbordamento de alegria, furiosamente arrebatador e incomparavelmente santo – é idêntico. Pode-se compreender facilmente então que o meio ideal de encontrar a pérola perfeita, a jóia sem preço, através da qual pode-se ver a cidade santa de Deus, é uma judiciosa combinação de ambas as técnicas. Em todos os casos, a magia se revela mais eficiente e poderosa quando combinada ao controle da mente, que é o objetivo a ser atingido na ioga. E, da mesma forma, os êxtases da ioga adquirem um certo matiz rosado de romantismo e significado inspiracional quando são associados à arte da magia .

Desnecessário dizer, portanto, que quando falo de magia aqui faço referência à teurgia divina louvada e reverenciada pela Antigüidade. É sobre uma busca espiritual e divina que escrevo; uma tarefa de autocriação e reintegração, a condução à vida humana de algo eterno e duradouro. A magia não é aquela prática popularmente concebida que é filha da alucinação gerada pela ignorância selvagem, e que serve de instrumento às luxúrias de uma humanidade depravada. Devido a ignorante duplicidade dos charlatães e a reticência de seus próprios escribas e autoridades, a magia durante séculos foi indevidamente confundida com a feitiçaria e a demonolatria. Salvo algumas obras que foram ou demasiado especializadas em sua abordagem ou distintamente inadequadas para o público em geral, nada foi até agora publicado para estabelecer em definitivo o que a magia é realmente. Neste trabalho não se pretende tratar de maneira alguma de encantamentos de amor, filtros e poções, nem de amuletos que impeçam que a vaca do vizinho produza leite, ou que lhe roubem a esposa, ou da determinação da localização de ouro e tesouros ocultos. Tais práticas vis e estúpidas bem merecem ser designadas por aquela expressão tão abusivamente empregada, a saber, “magia negra”. Este estudo não tem nada a ver com essas coisas, pelo que não se deve concluir que nego a realidade ou eficácia de tais métodos. Mas se qualquer homem estiver ansioso para descobrir a fonte de onde brota a chama da divindade, caso haja alguém que esteja desejoso de despertar em si mesmo uma consciência mais nobre e sublime do espírito, e em cujo coração arda o desejo de devotar sua vida ao serviço da espécie humana, que essa pessoa se volte zelosamente para a magia. Na técnica mágica talvez possa ser encontrado o meio para a realização dos mais grandiosos sonhos da alma .

Do ponto de vista acadêmico, a magia é definida como a “arte de empregar causas naturais para produzir efeitos surpreendentes”. Com essa definição – e também com a opinião de um escritor como Havelock Ellis, que é um nome dado a todo o fluxo da ação humana individual – estamos de pleno acordo, visto que todo ato concebível no período inteiro que dura a vida é um ato mágico. Que efeito sobrenatural poderia ser mais espantoso ou miraculoso do que um Cristo, um Platão ou um Shakespeare que foi o produto natural do casamento de dois camponeses? O que haveria de mais maravilhoso e surpreendente que o crescimento de um minúsculo bebê que atinge a completa maturidade de um ser humano? Todo e qualquer exercício da vontade – o erguer de um braço, o proferir de uma palavra, o germinar silente de um pensamento – todos são por definição atos mágicos. Entretanto, os efeitos “surpreendentes” que a magia procura abarcar ocupam um plano de ação um tanto diferente daqueles que foram indicados, embora estes, apesar de tão comuns, sejam, não obstante, surpreendentes e taumatúrgicos. O resultado que o mago, acima de tudo, deseja concretizar é uma reconstrução espiritual de seu próprio universo consciente e secundariamente aquela de toda a humanidade, a maior de todas as transformações concebíveis. Mediante a técnica da magia, a alma voa, reta como uma flecha impelida por um arco tenso, rumo à serenidade, a um repouso profundo e impenetrável .

Mas é apenas o próprio homem quem pode esticar a corda do arco; ninguém além dele mesmo pode realizar essa tarefa para ele. É logicamente nesta cláusula de qualificação que o temporal fica à espreita. A “salvação” tem que ser auto-induzida e auto-inventada. As essências universais e os centros cósmicos estão sempre presentes, mas é o homem quem tem que dar o primeiro passo na sua direção e então, como disse Zoroastro nos Oráculos Caldeus, “os abençoados imortais chegam rapidamente”. Quem causa e faz a sorte e o destino é o próprio homem. O curso de sua existência vindoura resulta necessariamente de seu modo de agir. E não apenas isso, pois na palma de sua mão reside a sorte de toda a espécie humana. Poucos indivíduos se sentirão aptos a despertar a coragem latente e a rígida determinação que comanda o universo, para que assim por uma estrada direta e isenta de obstáculos a espécie humana pudesse ser conduzida a um ideal mais nobre e a um modo de vida mais pleno e mais harmonioso. Houvessem tão-somente alguns homens se empenhando para descobrir o que realmente são, e apurando sem qualquer sofisma a refulgência cintilante de glória e sabedoria que arde no mais íntimo do coração, e descobrindo os vínculos que as ligam ao universo, e penso que não teriam apenas realizado seus propósitos individuais na vida e cumprido seus próprios destinos, como também o que é infinitamente mais importante, teriam cumprido o destino do universo considerado como um vasto organismo vivo de consciência .

O que significa acender uma vela? Nesse processo somente a porção mais superior da vela mantém a chama, mas, embora apenas a mecha esteja acesa, é hábito dizer que a própria vela está acesa, difundindo a luz que elimina as trevas à sua volta. Nisso podemos encontrar uma sugestiva referência que se aplica significativamente ao mundo em geral. Se apenas algumas pessoas em cada país, cada raça e cada povo pelo mundo afora encontrarem a si mesmas e entrarem em comunhão sagrada com a própria Fonte da Vida, graças à sua iluminação, elas se tornarão a mecha da humanidade e lançarão uma resplandecente e gloriosa auréola de ouro sobre o universo. Nesses indivíduos que constituem uma minoria minúscula, quase microscópica da população do globo, desejosa e ansiosa de se devotar a uma causa espiritual, reside a única esperança para a suprema redenção da espécie humana. Éliphas Lévi, o celebrado mágico francês, arrisca uma opinião nova que acho pode ter alguma relação com esse problema e projeta um raio de luz sobre essa proposta. “Deus cria eternamente...”, escreve ele, “o grande Adão, o homem universal e perfeito, que contém num único espírito todos os espíritos e todas as almas. As inteligências vivem, portanto, duas vidas imediatamente, uma geral, que é comum a todas elas, e outra especial e individual” .

Esse Adão protoplástico é chamado nessa obra qabalística intitulada O livro dos esplendores*, de Homem Celestial e compreende em um ser, como observa o erudito mago, as almas de todos os homens e criaturas, e forças dinâmicas que pulsam através de toda porção do espaço estelar. Não é meu desejo tratar de metafísica neste momento, discutindo se esse ser universal primordial é criado por Deus ou se simplesmente se desenvolveu do espaço infinito .

Tudo o que quero considerar agora é que a totalidade da vida no universo, vasta e difundida, é esse ser celestial, a Super-Alma como alguns outros filósofos o conheceram, criado para sempre nos céus. Nesse corpo cósmico nós, indivíduos, bestas e deuses, somos as minúsculas células e moléculas, cada uma com sua função independente a ser cumprida na constituição e no bem-estar sociais dessa Alma. Essa teoria filosófica admiravelmente sugere que como no homem da terra há uma inteligência que governa suas ações e seus pensamentos, da mesma maneira, em sentido figurado, há no Homem Celestial uma alma que é sua inteligência central e sua faculdade mais importante. “Tudo o que existe na superfície da Terra possui sua duplicata espiritual no alto, e não existe nada neste mundo que não esteja associado a algo e que não dependa desse algo.” Assim escrevem os doutores da Qabalah. Tal como no homem a substância cerebral cinzenta é a mais sensível, nervosa e refinada do corpo, do mesmo modo os seres mais sensíveis, desenvolvidos e espiritualmente avançados no universo compreendem o coração, a alma e a inteligência do Homem Celestial. É nesse sentido, em suma, que os poucos que empreendem a realização da Grande Obra, isto é, encontrar a si mesmos de um ponto de vista espiritual e identificar sua consciência integral com as Essências Universais, como Jâmblico as chama, ou os deuses, que constituem o coração e a alma do Homem Celestial – esses poucos são os servos da espécie humana. Executam a obra da redenção e cumprem o destino da Terra .

* Publicado no Brasil com o título As origens da cabala, pela. Ed. Pensamento, tradução de Márcio Pugliesi e Norberto de Paulo Lima. (N. T.) O misticismo – magia e ioga – é o veículo, portanto, para uma nova vida universal, mais rica, mais grandiosa e mais plena de recursos do que jamais o foi, tão livre como a luz do sol, tão graciosa quanto o desabrochar de um botão de rosa. Ela é para ser tomada pelo homem .


A Árvore da Vida Qabalística

 É bastante provável que de maneira tonitruante seja emitida de certas fontes a condenação de que o sistema indicado nesta obra como magia faz somente referência ao princípio da constituição humana pertinente exclusivamente à natureza inferior. Em decorrência dessa classificação, não é difícil antecipar que toda a técnica teúrgica venha a ser inteiramente condenada como “psiquismo”, por exemplo, nos círculos teosóficos. Na verdade, como poucas considerações bastariam para demonstrar, tal condenação é mal colocada e injustificada. A fim de retificar esse ponto de vista de uma vez por todas, apresentamos A árvore da vida ao público leitor. Abomino essa loquacidade teosófica. Permitam que registre aqui minha repugnância por suas classificações demasiado simplistas, sua contínua disposição de aplicar rótulos de mordaz opróbrio a coisas parcialmente compreendidas. Não fosse o caso de sentir-me tão profundamente envolvido com a magia – sustentando que nela possa ser encontrado o meio de tomar o reino dos céus de assalto – esse abuso e propositada censura dos teósofos seria merecidamente ignorado e relegado àquela esfera de desprezo a que com justiça pertencem. Tem havido em geral excessiva incompreensão quanto ao que é a magia e qual a ação por ela orientada. É tempo de esclarecer de uma vez por todas essa fonte contínua de confusão por meio da formulação dos princípios elementares de sua arte .

Em sua renomada obra Estâncias de Dzyan, em torno da qual toda a A doutrina secreta* se acha organizada como um comentário, Madame Blavatsky nos informa que cada homem é uma sombra ou centelha de uma divindade de sabedoria, poder e espiritualidade superlativos. Esses seres sensíveis são chamados de deuses ou Essências universais por uma das autoridades em teurgia. Uma autoridade em teosofia da atualidade, o dr. Gottfried de Purucker escreve o seguinte: “A parte mais refinada da constituição do ser humano é, em cada caso, um filho da parte espiritual de um ou outro dos gloriosos sóis espalhados pelo espaço sem fronteiras. Vós sois deuses em vossas partes mais interiores, átomos de algum sol espiritual...” A definição conferida a um deus em A doutrina secreta é a de um ser hierárquico que nas épocas mais remotas do empenho evolutivo, há muitíssimo tempo, era um ser humano tal como o somos agora. Por meio de esforço e progresso consciente uniu-se àquela Realidade Espiritual difundida através das ramificações e fundações do universo. Por ocasião dessa união, entretanto, a individualidade essencial da experiência foi retida. Mas transcendida a personalidade, o ser retomou seu papel natural de dirigente, por assim dizer, ou Regente do universo, ou de alguma porção ou aspecto particular do universo. Visto que, baseado nessa definição, o homem é a centelha de uma tão grandiosa consciência, um filho dos deuses cósmicos, o curso de sua vida só poderá se orientar para o aspirar pela união com seus progenitores espirituais. Tanto a origem da magia quanto sua raison d’être se encontram na efetivação dessa união .

* Publicação da Ed. Pensamento. (N. T.) Espero mostrar nestas páginas que a técnica da magia está em estreito acordo com as tradições da mais remota Antigüidade, e que conta com a sanção, explícita ou implícita, das mais excelentes autoridades. Jâmblico, o divino teurgo, tem muito a dizer em seus vários escritos sobre a magia; do mesmo modo em Proclo e Porfírio, e mesmo na moderna literatura teosófica oficial, há obscuras referências, embora inexplicadas e jamais desenvolvidas, à magia divina. Diversas boas invocações procedentes dos registros gnósticos e as várias recensões do Livro dos Mortos serão apresentadas próximo à conclusão deste livro, e pesquisas baseadas nas concepções mágicas egípcia e qabalística nos demais capítulos deste livro .

Resumir, portanto, a magia de maneira vaga com a única palavra “psiquismo” é um completo absurdo, para dizer o mínimo. Conheço teósofos, todavia, e percebo a necessidade de antecipar suas objeções com ampla contraposição. O mago tem que estar no controle de toda sua natureza; todo elemento constituinte em seu ser precisa ser desenvolvido sob a vontade ao auge da perfeição. Princípio algum deve ser reprimido, já que cada um é um aspecto do espírito supremo, tendo que cumprir seu próprio propósito e natureza. Se o teurgo se envolve, por exemplo, com viagem astral – parte da Grande Obra à qual as objeções da teosofia serão mormente dirigidas – assim será por três razões principais. Primeira, na chamada luz astral ele pode perceber um exato reflexo de si mesmo em todas as suas várias partes, qualidades e atribuições, sendo que um exame desse reflexo tende naturalmente para uma espécie de autoconhecimento. Segunda, a definição da luz astral do ponto de vista mágico é extremamente lata, incluindo todos os planos sutis acima ou no interior do físico, o objetivo do mago sendo ascender constantemente aos domínios mais fervorosos e mais lúcidos do mundo espiritual. Os elementos mais grosseiros da esfera de Azoth, com suas imagens sensórias e visões opacas obscurecidas, precisa ser sempre transcendido e deixado bem atrás. Éliphas Lévi chega a estabelecer, por razões de ordem prática, apenas duas grandes classes de planos no universo: o mundo físico e o mundo espiritual. Terceira, antes que essa porção particular do mundo invisível possa ser transcendida, é necessário que seja conquistada e dominada em cada um de seus aspectos. Todos os habitantes dessa esfera têm que ser submetidos ao mago, aos seus símbolos mágicos e obedecer inequivocamente à realidade da Vontade Real que esses últimos simbolizam. No nosso plano e em nosso domínio de vigília da experiência ordinária, os símbolos são meramente representações arbitrárias de uma significação inteligível interior. São as assinaturas visíveis de uma dignidade metafísica ou espiritual, por assim dizer. Na luz astral, entretanto, esses símbolos assumem existência independente revelando sua realidade tangível, e conseqüentemente são de máxima importância. As evocações são empreendidas pelo mago não por curiosidade ou para satisfazer a uma sede pelo poder, mas sim com a finalidade única de trazer essas facetas ocultas de sua própria consciência para o âmbito de sua vontade, submetendo-as então ao seu domínio .

Pode-se, talvez, definir como objeto do psiquismo o estímulo e a preservação do eu inferior às expensas ou na ignorância do eu superior. Trata-se de uma abominação merecedora da mais severa censura. Na magia não se fazem tentativas para aquisição de poderes em proveito próprio, ou com qualquer propósito abjeto ou nefando. Qualquer poder adquirido deve instantaneamente ser subordinado à vontade, e mantido em seu próprio lugar e adequada perspectiva. Essa questão de poderes é bastante curiosa, tendo obtido, devo acrescentar, maior destaque em meio ao público somente a partir do advento do culto ao espiritualismo e da formação das organizações teosóficas. Por que os indivíduos – particularmente alguns teósofos – cobiçam ou encaram como encaram os poderes astrais ou outros poderes ocultos para sua própria vantagem e uma morbidez patológica que escapa a minha compreensão. No início de sua carreira, o mago é compelido a compreender que sua exclusiva aspiração diz respeito ao seu eu superior, ao seu Santo Anjo Guardião, e que quaisquer faculdades que sejam obtidas precisam ser subordinadas a essa aspiração. Qualquer trabalho menor que seja realizado necessita ter um motivo espiritual definido. Uma aspiração por qualquer coisa que não seja o Santo Anjo Guardião* constitui realmente, salvo raras exceções, um ato de magia negra que é, portanto, sumamente abominável. Deve ficar, por conseguinte, óbvio para todos que o psiquismo, entendido como o desejo de poderes psíquicos anormais que sirvam como fim em si mesmos, é absolutamente estranho à intenção e meta dessa técnica .

* A respeito do Santo Anjo Guardião, consultar O livro da magia sagrada de Abramelin, o Mago, publicado por esta mesma editora. (N. T.) Uma outra objeção a ser levantada provavelmente é que a magia pode levar à mediunidade. Esta é também uma crítica improcedente por várias razões. Tem sido observado corretamente que tanto o médium quanto o mago cultivam o transe. Mas a exatidão da observação pára por aí, pois entre os respectivos estados de consciência do médium e do mago há uma colossal diferença. Na linguagem popular encontramos a idéia vulgar segundo a qual gênio e loucura estão associados. A distinção efetiva é que num caso o equilíbrio de gravidade está acima do centro normal da consciência; no outro encontra-se abaixo, e a consciência de vigília foi invadida por uma horda inicial de impulsos subconscientes descontrolados. Idéia idêntica se aplica ainda com maior força à comparação do médium com o mago, pois o médium cultiva um transe passivo e negativo que arremessa seu centro de consciência para baixo, para o interior do que podemos chamar de Nephesch. O mago, por outro lado, é intensamente ativo tanto de um ponto de vista mental quanto espiritual, e embora ele também se empenhe no transe noético para manter os processos de raciocínio em suspensão, seu método consiste em elevar-se acima deles, abrir-se para os raios telésticos do eu superior de preferência a descer a esmo ao limo relativo de Nephesch. É esta a única diferença. O cultivo da vontade mágica e a conseqüente exaltação da alma é a técnica da magia. O transe espírita não é nada mais nada menos que uma descida não-natural à inércia e à consciência animal. Abdica-se de toda humanidade e divindade no transe passivo negativo a favor da vida animal e da obsessão demoníaca. A abdicação do ego racional no caso do mago ocorre em favor de uma realização espiritual noética, não do torpor da vida instintiva e vegetativa. Por conseguinte, a magia não está associada sob qualquer ponto de vista à mediunidade passiva .

Antes de passar à exposição dos princípios fundamentais da magia, é necessário esclarecer minha posição no que concerne às fontes de filosofia teórica que estão na base de minha interpretação pessoal da técnica da magia. Ficará bastante óbvio que estou em grande débito com a teosofia. Muitas práticas mágicas encontram sua base na Qabalah Prática dos filósofos hebreus e na teurgia sacerdotal dos egípcios. Fragmentos foram selecionados de várias fontes e sou grande devedor de um grande número de pensadores anteriores a mim e também contemporâneos, e a todos sou grato .

No que diz respeito a teosofia, acho uma questão de honestidade confessar – a despeito das observações depreciativas aqui registradas contra a conduta de certos teósofos – que por Blavatsky só posso alimentar a maior admiração e o maior respeito. Muito da superestrutura filosófica exibida em A doutrina secreta só indica tácita aquiescência e sincera concordância com minhas idéias. Minha própria concepção da filosofia mágica deve o que há nela de concatenado e claro aos desenvolvimentos em religião e filosofia comparadas dos quais Blavatsky me muniu. Todavia, minha postura é eclética, selecionando aqui, rejeitando ali, e formando a partir do todo uma síntese coerente e consistente que agrade ao intelecto e satisfaça à alma. Sinto que não posso aceitar a totalidade do ensino de Blavatsky em várias de suas comunicações. Há muito com o que simpatizo inteiramente, com o que se experimenta a um tempo orgulho e felicidade assimilando-se a própria filosofia pessoal, e, ao mesmo tempo, há muito que desagrada e repugna o senso interior.

Também muito devo, e não em menor grau, às obras de Arthur Edward Waite, em particular a seus resumos do ensino qabalístico. Há uma quantidade considerável de boa literatura escrita por esse agora idoso contemporâneo que é sumamente encantadora, informativa e sublime, entoando cantos por vezes de incomparável eloqüência. E é esse aspecto de excelente erudição e lirismo que acho não deve ser esquecido, embora algumas vezes pareça arruinado pela freqüência de passagens em seus escritos que provocam justificável reprovação. São de uma turgidez e pomposidade abismais, e exibem uma tendência desnecessária à crítica destrutiva. Mas eu, no que diz respeito aos sentimentos pessoais, tenho um lugar cálido no fundo de meu coração para o sr. Waite, e lhe devo bem mais do que meras palavras são capazes de expressar, e a título de suplementação ao presente estudo recomendo enfaticamente a todos os leitores o seu Doutrina secreta em Israel e A Santa Cabala .

Embora nas obras do eminente mago francês cujo pseudônimo era Éliphas Lévi Zahed haja muita tagarelice sem sentido que não tem a menor conexão com a magia, percebe-se aqui e ali no Dogma e ritual da Alta Magia* e em suas outras obras, cintilando como estrelas no bojo do firmamento, reluzentes pepitas do mais puro ouro no negro minério da obscuridade e da trivialidade. Devo confessar, contudo, estar pouco impressionado em todos os aspectos com sua própria ficha como mago prático, visto que, ao que tudo indica, a sua chamada evocação da sombra de Apolônio de Tiana resultou em pouquíssimo. Lévi constitui um problema difícil para a maioria dos leitores. Ademais, ele sobrecarregou a si mesmo com uma confusão, ou uma tola tentativa de reconciliar a magia com o catolicismo romano. Assim, sem uma sólida compreensão dos princípios fundamentais da Qabalah e da filosofia comparativa ficará sujeito a ser arremessado de cabeça nos vários fossos que ele supre para os incautos .

* Publicado no Brasil pela Ed. Pensamento, tradução de Rosabis Camaysar, e pela Madras, tradução de Edson Bini. (N. T.) S. L. McGregor Mathers e W. Wynn Westcott também me forneceram muito que servisse de fundamento nesta filosofia mágica, particularmente o primeiro, e muito material útil pode ser reunido a partir das obras de ambos. O mundo terá de ser eternamente grato a Mathers por sua tradução de O livro da Magia Sagrada de Abramelin, o Mago** e A Introdução ao Estudo da Cabala, de Westcott é talvez um dos mais atraentes textos elementares a respeito desse assunto. Entretanto, a aceitação da totalidade das opiniões desses escritores levaria a uma crise aguda de indigestão mental. Em cada um há vários elementos da verdade – verdade, ao menos para cada aprendiz – mas sondando o fundo observa-se um ligeiro resíduo de exagero, mal-entendidos e erro .

** Publicado no Brasil por esta editora, tradução de Norberto de Paula Lima, Márcio Pugliesi e Edson Bini. (N. T.) Observar-se-á, igualmente, que faço freqüentes citações de Aleister Crowley, e é imperioso que eu defina claramente minha posição relativamente a esse homem genial .

Deixando de lado o opróbrio de magia negra que lhe foi dirigido violentamente por muitos indivíduos completamente ignorantes do que ele ensinou, há muita coisa importante em Crowley, muita filosofia e pensamento original tanto sobre Qabalah quanto sobre magia belamente expressos em prosa e verso e de concepção profunda. Acho lamentável que o público seja privado dessa novidade e originalidade superlativas que pertencem a Crowley e despojado daqueles aspectos de seus ensinamentos que são bons, enaltecedores e duradouros, simplesmente por causa de uma certa parte de sua produção literária que é certamente banal, insignificante, sem importância e indubitavelmente repreensível .

As personalidades e vidas particulares desses indivíduos não me dizem respeito em absoluto, e não me sinto inclinado a discuti-las. Quase todos eles, numa ocasião ou outra, foram atingidos pelas ferroadas e setas do mau juízo de uma multidão maliciosa. Também não me dizem respeito nem esta multidão nem a natureza das invectivas que lançam, pois a magia nada tem a ver com elas .

A cada aprendiz, portanto, cabe a tarefa de determinar para si mesmo o que deve ser verdadeiro e confiável e estabelecer por sua própria conta um padrão de referência sem controvérsia. E esse padrão deve ser experiência espiritual. Por isso, a Árvore da Vida Qabalística foi adotada como a estrutura da magia prática, visto que está, em primeiro lugar, aberta à classificação sintética e construtiva, e porque fornece aquilo que pode ser apropriadamente chamado de alfabeto mágico. É preciso notar que a palavra “alfabeto” é empregada, e empregada de preferência à palavra linguagem e aos seus desdobramentos. A Qabalah não procura suprir uma completa linguagem mágica ou uma inteira filosofia. Essa última só pode ser conquistada mediante experiência espiritual. Mas a partir do alfabeto de idéias, números e símbolos e das sugestões apresentadas por ele, o aprendiz poderá se achar capacitado, com o auxílio da pesquisa mágica, a construir um edifício satisfatório de elevada filosofia que o conduzirá ao longo da vida .



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* A respeito do Santo Anjo Guardião, consultar O livro da magia sagrada de Abramelin, o Mago, publicado por esta mesma editora. (N. T.) Uma outra objeção a ser levantada provavelmente é que a magia pode levar à mediunidade. Esta é também uma crítica improcedente por várias razões. Tem sido observado corretamente que tanto o médium quanto o mago cultivam o transe. Mas a exatidão da observação pára por aí, pois entre os respectivos estados de consciência do médium e do mago há uma colossal diferença. Na linguagem popular encontramos a idéia vulgar segundo a qual gênio e loucura estão associados. A distinção efetiva é que num caso o equilíbrio de gravidade está acima do centro normal da consciência; no outro encontra-se abaixo, e a consciência de vigília foi invadida por uma horda inicial de impulsos subconscientes descontrolados. Idéia idêntica se aplica ainda com maior força à comparação do médium com o mago, pois o médium cultiva um transe passivo e negativo que arremessa seu centro de consciência para baixo, para o interior do que podemos chamar de Nephesch. O mago, por outro lado, é intensamente ativo tanto de um ponto de vista mental quanto espiritual, e embora ele também se empenhe no transe noético para manter os processos de raciocínio em suspensão, seu método consiste em elevar-se acima deles, abrir-se para os raios telésticos do eu superior de preferência a descer a esmo ao limo relativo de Nephesch. É esta a única diferença. O cultivo da vontade mágica e a conseqüente exaltação da alma é a técnica da magia. O transe espírita não é nada mais nada menos que uma descida não-natural à inércia e à consciência animal. Abdica-se de toda humanidade e divindade no transe passivo negativo a favor da vida animal e da obsessão demoníaca. A abdicação do ego racional no caso do mago ocorre em favor de uma realização espiritual noética, não do torpor da vida instintiva e vegetativa. Por conseguinte, a magia não está associada sob qualquer ponto de vista à mediunidade passiva .

Antes de passar à exposição dos princípios fundamentais da magia, é necessário esclarecer minha posição no que concerne às fontes de filosofia teórica que estão na base de minha interpretação pessoal da técnica da magia. Ficará bastante óbvio que estou em grande débito com a teosofia. Muitas práticas mágicas encontram sua base na Qabalah Prática dos filósofos hebreus e na teurgia sacerdotal dos egípcios. Fragmentos foram selecionados de várias fontes e sou grande devedor de um grande número de pensadores anteriores a mim e também contemporâneos, e a todos sou grato .

No que diz respeito a teosofia, acho uma questão de honestidade confessar – a despeito das observações depreciativas aqui registradas contra a conduta de certos teósofos – que por Blavatsky só posso alimentar a maior admiração e o maior respeito. Muito da superestrutura filosófica exibida em A doutrina secreta só indica tácita aquiescência e sincera concordância com minhas idéias. Minha própria concepção da filosofia mágica deve o que há nela de concatenado e claro aos desenvolvimentos em religião e filosofia comparadas dos quais Blavatsky me muniu. Todavia, minha postura é eclética, selecionando aqui, rejeitando ali, e formando a partir do todo uma síntese coerente e consistente que agrade ao intelecto e satisfaça à alma. Sinto que não posso aceitar a totalidade do ensino de Blavatsky em várias de suas comunicações. Há muito com o que simpatizo inteiramente, com o que se experimenta a um tempo orgulho e felicidade assimilando-se a própria filosofia pessoal, e, ao mesmo tempo, há muito que desagrada e repugna o senso interior .

Também muito devo, e não em menor grau, às obras de Arthur Edward Waite, em particular a seus resumos do ensino qabalístico. Há uma quantidade considerável de boa literatura escrita por esse agora idoso contemporâneo que é sumamente encantadora, informativa e sublime, entoando cantos por vezes de incomparável eloqüência. E é esse aspecto de excelente erudição e lirismo que acho não deve ser esquecido, embora algumas vezes pareça arruinado pela freqüência de passagens em seus escritos que provocam justificável reprovação. São de uma turgidez e pomposidade abismais, e exibem uma tendência desnecessária à crítica destrutiva. Mas eu, no que diz respeito aos sentimentos pessoais, tenho um lugar cálido no fundo de meu coração para o sr. Waite, e lhe devo bem mais do que meras palavras são capazes de expressar, e a título de suplementação ao presente estudo recomendo enfaticamente a todos os leitores o seu Doutrina secreta em Israel e A Santa Cabala .

Embora nas obras do eminente mago francês cujo pseudônimo era Éliphas Lévi Zahed haja muita tagarelice sem sentido que não tem a menor conexão com a magia, percebe-se aqui e ali no Dogma e ritual da Alta Magia* e em suas outras obras, cintilando como estrelas no bojo do firmamento, reluzentes pepitas do mais puro ouro no negro minério da obscuridade e da trivialidade. Devo confessar, contudo, estar pouco impressionado em todos os aspectos com sua própria ficha como mago prático, visto que, ao que tudo indica, a sua chamada evocação da sombra de Apolônio de Tiana resultou em pouquíssimo. Lévi constitui um problema difícil para a maioria dos leitores. Ademais, ele sobrecarregou a si mesmo com uma confusão, ou uma tola tentativa de reconciliar a magia com o catolicismo romano. Assim, sem uma sólida compreensão dos princípios fundamentais da Qabalah e da filosofia comparativa ficará sujeito a ser arremessado de cabeça nos vários fossos que ele supre para os incautos .

* Publicado no Brasil pela Ed. Pensamento, tradução de Rosabis Camaysar, e pela Madras, tradução de Edson Bini. (N. T.) S. L. McGregor Mathers e W. Wynn Westcott também me forneceram muito que servisse de fundamento nesta filosofia mágica, particularmente o primeiro, e muito material útil pode ser reunido a partir das obras de ambos. O mundo terá de ser eternamente grato a Mathers por sua tradução de O livro da Magia Sagrada de Abramelin, o Mago** e A Introdução ao Estudo da Cabala, de Westcott é talvez um dos mais atraentes textos elementares a respeito desse assunto. Entretanto, a aceitação da totalidade das opiniões desses escritores levaria a uma crise aguda de indigestão mental. Em cada um há vários elementos da verdade – verdade, ao menos para cada aprendiz – mas sondando o fundo observa-se um ligeiro resíduo de exagero, mal-entendidos e erro .

** Publicado no Brasil por esta editora, tradução de Norberto de Paula Lima, Márcio Pugliesi e Edson Bini. (N. T.) Observar-se-á, igualmente, que faço freqüentes citações de Aleister Crowley, e é imperioso que eu defina claramente minha posição relativamente a esse homem genial .

Deixando de lado o opróbrio de magia negra que lhe foi dirigido violentamente por muitos indivíduos completamente ignorantes do que ele ensinou, há muita coisa importante em Crowley, muita filosofia e pensamento original tanto sobre Qabalah quanto sobre magia belamente expressos em prosa e verso e de concepção profunda. Acho lamentável que o público seja privado dessa novidade e originalidade superlativas que pertencem a Crowley e despojado daqueles aspectos de seus ensinamentos que são bons, enaltecedores e duradouros, simplesmente por causa de uma certa parte de sua produção literária que é certamente banal, insignificante, sem importância e indubitavelmente repreensível .

As personalidades e vidas particulares desses indivíduos não me dizem respeito em absoluto, e não me sinto inclinado a discuti-las. Quase todos eles, numa ocasião ou outra, foram atingidos pelas ferroadas e setas do mau juízo de uma multidão maliciosa. Também não me dizem respeito nem esta multidão nem a natureza das invectivas que lançam, pois a magia nada tem a ver com elas .

A cada aprendiz, portanto, cabe a tarefa de determinar para si mesmo o que deve ser verdadeiro e confiável e estabelecer por sua própria conta um padrão de referência sem controvérsia. E esse padrão deve ser experiência espiritual. Por isso, a Árvore da Vida Qabalística foi adotada como a estrutura da magia prática, visto que está, em primeiro lugar, aberta à classificação sintética e construtiva, e porque fornece aquilo que pode ser apropriadamente chamado de alfabeto mágico. É preciso notar que a palavra “alfabeto” é empregada, e empregada de preferência à palavra linguagem e aos seus desdobramentos. A Qabalah não procura suprir uma completa linguagem mágica ou uma inteira filosofia. Essa última só pode ser conquistada mediante experiência espiritual. Mas a partir do alfabeto de idéias, números e símbolos e das sugestões apresentadas por ele, o aprendiz poderá se achar capacitado, com o auxílio da pesquisa mágica, a construir um edifício satisfatório de elevada filosofia que o conduzirá ao longo da vida .




As Relações Sagradas da Magia

CAPÍTULO III Insistem todos os teurgos do passado que a augusta filosofia que serve de base à teoria e técnica da magia, sendo tão importante quanto o trabalho prático e uma necessidade radical que deve preceder esse trabalho, constitui um pré-requisito para qualquer discussão adicional .

Na verdade, dificilmente teremos um efetivo entendimento da base racional da magia e certamente nenhuma compreensão das complexidades que ocorrem no interior e no exterior da constituição do mago se o fundamento filosófico não estiver firmemente assentado em sua mente. Se há perigo na busca da magia, esse perigo só surge quando o operador não dispõe de conhecimento preciso do que está fazendo. É de uma compreensão inteligente do significado dos símbolos do oculto e das realidades que eles, em primeiro lugar, visam a comunicar que a eficácia dos ritos depende muito. Os símbolos e acessórios da magia nas mãos profanas de alguém não familiarizado com os fundamentos da arte indubitavelmente não produziriam os corretos efeitos taumatúrgicos. Contudo, o mero conhecimento intelectual desses princípios arcanos é de pouca valia se não houver experiência espiritual. Em contrapartida, a investigação mágica do universo e sua conseqüente compreensão espiritual na consciência assumem maior dignidade, e implicação e profundidade mais férteis se apoiadas numa compreensão teórica .

Em sua recente obra, Os mistérios do Egito, Lewis Spence afirmou que o sistema filosófico da magia reuniu “e tornou manifestos toda a sabedoria e conhecimento arcano do mundo antigo, que foram assim cristalizados e sistematizados de tal maneira que tivessem sido eles preservados de uma forma não adulterada, teriam certamente poupado épocas posteriores de muitas catástrofes religiosas e muito falso misticismo. Mas graças à indolência e negligência de seus preservadores e talvez através das cínicas influências que lhes eram impingidas de fora, sua primitiva beleza divina foi gradualmente perdida até, finalmente, restar apenas o esqueleto de seus rituais e cerimônias” .

Foi nas religiões esotéricas ortodoxas que alguns dos vários fragmentos esparsos do esqueleto mágico foram retidos, em sua maior parte ineficazes e incompreensíveis para a maioria devido à inescrupulosa adulteração. Mas a essência da magia, sua “primitiva beleza divina”, foi preservada por mãos altruístas e cuidada zelosamente em mentes sublimes, e se houver muita aplicação, pode até ser compilada em publicações. Nos trabalhos gnósticos, inclusive nos escritos neoplatônicos, nas propositais obscuridades dos alquimistas, em meio à literatura procedente dos rosacruzes – em tudo isso temos a possibilidade de encontrar vestígios luminosos da filosofia e prática dessa magia da luz que, cuidadosamente reunidos sobre a base sintética suprida pela Árvore da Vida, formam um sistema sublime e funcional que concede a luz da compreensão a todos aqueles que queiram contemplá-la. Os principais ingredientes do sistema mágico são a Árvore da Vida qabalística, que é a fonte de referência, e a religião hierática da casta sacerdotal do Egito. Existe, devo mencionar – deixando a interpretação a critério do leitor – a lenda segundo a qual a Qabalah foi recebida por Moisés como uma custódia sagrada no Sinai, que ele a entregou a Josué, o qual a entregou, por sua vez, aos juízes, e estes ao sinédrio, até que finalmente os Tanaim e rabinos posteriores se apoderaram dela e a trabalharam. Outras pessoas sustentam com convicção que se essa pessoa chamada Moisés existiu historicamente e se a Qabalah e seus corolários se originaram dele, ele a obteve dos sacerdotes egípcios, em companhia dos quais ele sem dúvida estudou nos templos do Nilo. Poucos países no mundo, exceto a Índia, talvez, podem se gabar de uma crônica de tradição mística e mágica tão eloqüente quanto o Egito, que com justiça recebeu o título de matriz da magia. Se a Qabalah é ou não realmente oriunda dos egípcios ou qualquer outro povo é um ponto discutível, não havendo, apesar da lenda e da especulação extravagante, nenhuma evidência histórica autêntica nesse sentido. E contudo, a teurgia prática dos egípcios se harmoniza notavelmente bem com as teorias filosóficas da Qabalah, e a experiência de uma multidão de magos tende a nos fazer crer que dificilmente poderia haver uma combinação mais adequada ou mais satisfatória .

Conseqüentemente, apresentaremos aqui uma exposição dos princípios subjacentes do universo tais como concebidos pelos magos e um estudo daquilo que forma necessariamente a base de todo o trabalho prático .

Essa concepção do universo será resumidamente enunciada nos termos filosóficos da Qabalah, e entremeada em torno da estrutura central da Árvore da Vida. “Quem penetra no santuário da cabala é tomado de admiração à vista de um dogma tão lógico, tão simples e ao mesmo tempo tão absoluto. A união necessária das idéias e dos signos, a consagração das realidades mais fundamentais pelos caracteres primitivos, a trindade das palavras, letras e números; uma filosofia singela como o alfabeto, profunda e infinita como o Verbo; teoremas mais completos e luminosos que os de Pitágoras; uma teologia que se condensa contando pelos dedos; um infinito que pode caber na palma da mão de uma criança; dez algarismos e vinte e duas letras, um triângulo, um quadrado e um círculo: aqui está a totalidade dos elementos da cabala. São os princípios básicos do Verbo escrito, reflexo desse Verbo discursante que criou o mundo!” – Assim pensava Lévi, e na verdade é preciso concordar sinceramente com ele, pois o admirável fundamento da Qabalah é uma simples estrutura matemática de símbolos, números e nomes, que emprega dez números e as letras do alfabeto dos anjos, como foi denominado o alfabeto hebraico. A matemática sempre foi considerada uma ciência divina pelos discípulos da filosofia esotérica, particularmente entre os pitagóricos, prefigurando, como o faz por meio do número os processos criativos tanto do universo quanto do desenvolvimento do ser humano. Diversos magos sustentaram que foi pelas idéias expressas no número que a natureza foi concebida no seio do espaço infinito. Dessas idéias universais brotaram os elementos primordiais, os imensos ciclos do tempo, os corpos cósmicos e toda a gama de transformações celestes .

Como os números eram os meios ou os símbolos pelos quais o significado das idéias universais abstratas podia ser compreendido, ao longo do tempo acabaram sendo substituídos pelas próprias idéias. Os filósofos do número eram ensinados no início de seus estudos a pensar em crescimento e desenvolvimento em termos do número, a considerar as realidades cósmicas em seus estados progressivos como a seqüência da progressão numérica. Os números se tornaram identificados com esses vários estados. Conseqüentemente, na filosofia mágica aludir ao zero, por exemplo, significa sugerir em primeiro lugar a essência imanifesta do universo antes mesmo do nascimento das palavras, o ilimitado e a imutabilidade do espaço infinito no qual não há nem estrelas nem sóis, nem planetas nem homens. O círculo, um zero (0) na sua forma, era assim considerado como sendo uma representação adequada daquela realidade primordial que proporcionara existência a todas as coisas vivas e seres vivos em toda a vastidão do espaço. O ponto, metafísico e espiritual, que aparece num acordo estrito com a lei cíclica, era representado por um traço ou uma linha estendendo-se do alto à base do círculo, uma figura ereta do um. O próprio número passou então a indicar o processo de germinação dos mundos. Cada número, em virtude do processo evolutivo ao qual originalmente se aplicava, conseqüentemente significava o próprio processo. Por conseguinte temos a base racional das figuras geométricas, dos selos e dos símbolos empregados nas cerimônias mágicas. À medida que a filosofia da Qabalah for revelada, o leitor perceberá quais são as implicações fundamentais na raiz dos signos e símbolos usados pela teurgia. E será percebido claramente que não se trata mais de signos arbitrários de conotação dúbia, mas sim de realidades rigorosas investidas de uma augusta verdade. Devo pedir insistentemente ao aprendiz, entretanto, que seja paciente comigo por enquanto neste e nos capítulos subseqüentes, visto que estou lidando com um assunto sumamente complexo e difícil. Não importa quão bem se apresenta uma simplificação para o estudo geral, ela sempre exigirá uma detida atenção e muita aplicação .

Acima de tudo a filosofia da Qabalah é uma filosofia da evolução. O universo, com todos seus planetas, mundos e seres independentes, foi concebido como a emanação de um princípio-substância primordial que alguns chamaram de Deus, de Absoluto, de Infinito, de Todo e assim por diante. Na Qabalah, esse princípio, que é a Realidade Única, é chamado de Ain Soph, o Infinito. O Sepher haZohar, talvez o mais importante dos textos qabalísticos, o concebe imutável, incognoscível para a mente, ilimitado, imanifesto e absoluto. Além de toda compreensão intelectual em Si, visto que jamais poderia ser abarcado por uma mente que é apenas um segmento de Sua toda-inclusividade, afirma-se ser Ele Ain – nada. Visto que ultrapassa efetivamente toda compreensão finita, sendo suas vastidões imutáveis e ilimitadas para a mente humana, cuja especulação mais profunda seria incapaz de aproximar-se do mais vago esboço do que Ele é em Si, forçoso é que permaneça sempre um vazio misterioso – nada, nenhuma coisa. Nesse sentido, a concepção gráfica dos antigos egípcios mostra-se bastante expressiva, bem como pitoresca. O céu, ou espaço anterior a toda manifestação, era concebido como o corpo nu da deusa Nuit, a rainha do espaço infinito, de seus seios brotando o leite das estrelas, as águas primordiais da substância .

Tudo o que pode ser dito de verdadeiro dessa Realidade Absoluta e Suprema é que ELA É. Isto tem que bastar. Onipresente, eterno e auto-existente – essas são idéias que transcendem mesmo os mais sublimes vôos da imaginação treinada, abstrações além da apreensão das mentes mortais. Um dos símbolos dessa potencialidade do Ain durante um período de repouso é um círculo, significando que tudo tendo sido recolhido à homogeneidade, o movimento retorna perpetuamente para si mesmo, como no glifo a cauda da serpente se recolhe e é tragada pela cabeça. O círculo só é interrompido, por assim dizer, pela lei da periodicidade. Essa lei, que a tudo afeta e que é inerente à própria natureza das coisas, governa o constante fluxo e refluxo, aparecimento e desaparecimento dos mundos. A potencialidade do Ain Soph é apenas refletida mediante a emanação de si mesmo do alento de criatividade, com o começo de um ciclo quando a Vida Una é polarizada no espírito e matéria. A ruptura do círculo de movimento incessante é realizada por uma contração de sua Luz Infinita, por uma colocação de um ponto minúsculo de refulgência cintilante nos confins do espaço. Como foi efetivada essa concentração de luz num centro cósmico, qual sua obscura origem, somos incapazes de dizê-lo. Há explicações confusas quanto à Vontade do Ain Soph ou à lei dos ciclos, mas elas realmente não nos conduzem a uma satisfatória compreensão inteligente. Num caso, é inteiramente impossível conceber uma condição espiritual tão infinita e tão abstrata ########################################## - 186 - como o Ain Soph possuindo uma Vontade que possa ser posta em operação, tanto quanto possuindo uma mente ou um corpo. Segundo a tradição filosófica, Ain Soph não é nem Espírito nem Vontade, mas sim a causa subjacente de ambos; não é força ou matéria, mas aquilo que serve de base a elas, sua causa última. No segundo caso, o postulado da lei cíclica que pretende dar conta do aparecimento do centro de luz trata de algo independente do Ain Soph ou que impõe necessidade sobre ele. Se a lei cíclica é identificada com o Absoluto, o postulado se torna idêntico à Vontade de manifestação. Em qualquer dos casos, desde que concordemos no domínio da teurgia que a razão não pode ser o árbitro final no que diz respeito a isso e questões metafísicas similares, a tradição filosófica será simplesmente aceita como afirmação árida, sem a pretensão de esforçar-se para suprir explicações racionais para um centro cósmico de esplendor surgido no espaço .

Esse centro metafísico cósmico é chamado de Kether, a coroa, e é a primeira manifestação do Desconhecido, uma concentração de sua luz infinita. Kether é, também, num certo sentido desconhecido, o Zohar o chamando de o Oculto. Blavatsky o considera como o primeiro Logos, imanifesto, pois a partir dele tanto o espírito quanto a raiz da matéria cósmica ainda nascerão. Seu número é um, pois o ponto no círculo alongado e traçado como um traço reto é esse número .

Como a coroa que está acima do sistema de emanação, como o ápice da Árvore da Vida que tem sua raízes nos céus, descendo em desenvolvimento rumo à terra, Kether é o sentido mais profundo da egocidade, constituindo o substrato da consciência humana e a raiz última da substância. Esse ponto central, sensível e espiritual, este centro metafísico ou mônada metafísica de consciência, preenche essas duas exigências, existindo como a real individualidade e a divisão última da matéria. Da mônada brota a dualidade, dois princípios distintos de atividade permanentes através de um período inteiro de manifestação, co-existente e co-eterno .

Trata-se da consciência e da base substantiva metafísica sobre a qual a consciência sempre atua, substância da raiz cósmica. Um é chamado de Chocmah – sabedoria, e ao outro atribuise o título de Binah – compreensão. Com o intuito de tornar coisas abstratas um pouco mais compreensíveis às mentes que se esforçavam para instruir nessa metafísica, uma das características dos filósofos cabalistas era explicar, na medida do possível, seus complexos e difíceis teoremas em termos de conduta humana, atividade humana e emoção humana. Assim notamos que é dado o título de Pai a Chocmah e de Mãe a Binah. Todas as Sephiroth, como são chamadas essas emanações, abaixo daquela que é chamada de Coroa, recebem atribuições masculinas e femininas, e a atividade entre Sephiroth masculinas e femininas em reconciliação é um “filho”, por assim dizer; uma Sephirah neutra atuando em equilíbrio. Assim, a Árvore da Vida, compreendendo essas dez emanações, se desenvolve a partir da mais elevada abstração até o mais concreto material em várias tríades de potências e forças espirituais. Masculino, feminino e criança; positivo, negativo e sua resultante mescla num terceiro fator reconciliador .

Esses dois princípios ou Sephiroth, ao serem intitulados o Pai e a Mãe, são também atribuídos a letras do chamado Tetragrammaton, do qual as quatro letras são YHVH .

Relativamente a essa doutrina do Tetragrammaton, devo lembrar o leitor que as atribuições desse nome e os modos de emprego exegético são sumamente importantes, e quanto mais clara e precisa for a compreensão desses, mais claro e preciso será o discernimento das fórmulas práticas de magia a serem consideradas posteriormente. O Pai recebe a letra “Y” desse nome e o primeiro “H” é atribuído à Mãe. Da união de Y e de H flui o resto de todas as coisas criadas. Em outras palavras, da consciência e seu veículo todas as coisas são formadas, e todo ser concebível, deus ou homem, divino ou animal, tem sua base no Y e no H do nome divino .

Deve-se mencionar, de passagem, que a postura adotada pelo que é conhecido como Ciência Cristã ao negar a existência da matéria não é ratificado pela filosofia dos teurgos. É verdade que esta última afirma que o mundo físico é uma ilusão, a saber, no sentido de que suas formas externas estão em constante mutação, que se encontra num estado de fluxo perpétuo. Desse ponto de vista, quando observado “de cima”, acredita-se ser o universo uma ilusão. Mas sua existência está fundada numa realidade, a substância-raiz de Binah, distinta e separada do aspecto consciência de Chocmah. Nesse ponto apenas, deixando de lado várias outras brechas para discussão, a magia não tem qualquer interesse pela Ciência Cristã ou algo em comum com ela. Tanto o espírito quanto a matéria são reais, quer dizer, reais durante um período de manifestação; em si mesmos são apenas modos passageiros da atividade, por assim dizer, do Ain Soph .

Expandindo através da totalidade do espaço, usando Binah como um veículo imediato, as energias de Chocmah dão origem às sete emanações restantes que resultam no aparecimento do mundo físico tangível. Em Chocmah, o plano de mundo ideal ou imaginativo pelo Logos que está em Kether, as idéias sobre as quais o “mundo que virá a ser” se baseará .

No Livro dos Mortos do Antigo Egito, o deus Tahuti ou Thoth*, a divindade atribuída a Chocmah, visto que as características essenciais de ambos são idênticas, é ali concebido como tendo sido a “língua” do criador Ptah, e ele sempre proclamou a Vontade do grande Deus, falando as palavras que ordenavam a todo ser e toda coisa no céu que adentrasse a existência .

Sir E. A. Wallis Budge, o eminente egiptologista, observa no folheto informativo do Museu Britânico que trata de O Livro dos Mortos que “Thoth concebeu as leis pelas quais o céu, a Terra e todos os corpos celestes são mantidos; ele ordenou os cursos do sol, da lua e das estrelas”. Isso está em harmonia total com a natureza de Chocmah, a ideação ou imaginação do cosmos, em que todas as coisas foram primeiramente concebidas e então realizadas e tornadas manifestas em substância .

* Tahuti ou Tehuti é egípcio, Thoth é copta. (N. T.) A Mãe de todas as formas, esta é Binah, a terceira Sephirah. De acordo com o grande qabalista do século XVI, rabi Moisés Cordovero, esse número é a raiz das coisas .

Substância-raiz cósmica e energia primordial são as expressões usadas por Blavatsky para designar essa manifestação particular, chamada na Qabalah de Grande Mar. O formato das letras da palavra hebraica para mar é um glifo eloqüentemente indicativo da elevação e expansão das ondas no seio das águas. Os antigos simbolizaram muito sabiamente com o mar a substância virgem intocada espalhada espaço afora, pois a água é plástica, de forma sempre cambiante, e assume a forma de qualquer recipiente em que é despejada. O mar é um símbolo sumamente adequado dessa substância plástica a partir da qual todas as formas devem ser compostas e representa uma energia ininterrupta, a despeito de ser passiva. Diz-se que a cor de Binah é o preto, visto que o preto absorve todas as outras cores tal como todas as formas materiais após inumeráveis transformações e mutações retornam à substância-raiz e por ela volta a ser absorvidas .

Essas três emanações são únicas de uma maneira especial. A Coroa, com seus dois derivados, o Pai e a Mãe, é concebida como Sephiroth suprema, não tendo relação com as emanações que dela procedem. No diagrama da Árvore da Vida, as supremas são vistas como existindo além do Abismo, aquela grande voragem fixada entre o ideal e o real, separando-as das emanações que são as inferiores, o acima do que está abaixo. Tal como as ondas se alçam e afundam abaixo do nível normal das águas sem produzir qualquer efeito duradouro nas próprias águas, assim é considerada a relação do universo real com as Sephiroth supremas, pois elas repousam num plano completamente afastado de qualquer coisa que possamos compreender intelectualmente. É somente com o aparecimento da quarta emanação que temos algo que é realmente cognoscível pela mente humana .

Por essa razão, há um segundo método de numeração que se soma àquele que já apresentamos. As Sephiroth supremas são consideradas inteiramente independentes das inferiores, e enquanto estas são geradas a partir de sua própria essência divina e no seu interior, o ser das supremas não é de maneira nenhuma afetado. Como a luz brilha na escuridão e ilumina sem sofrer diminuição de sua própria existência, do mesmo modo as obras das supremas transbordam de seu ser central sem com isso diminuir em grau algum a realidade de sua fonte. Conseqüentemente, elas existem sozinhas além do Abismo, embora através do espaço seja difundida sua essência, sua numeração se completando em Três. Começando com as inferiores abaixo do Abismo, o plano da existência finita condicionada, a numeração começa mais uma vez com o número Um. Assim, cada Sephirah, nesse sentido, possui dois números, indicando um distinto desenvolvimento duplo da corrente de vida. Chesed é tanto o número Quatro quanto o número Um, porquanto é a primeira Sephirah no plano da causalidade abaixo do abismo. Júpiter, como o pai dos deuses, é às vezes atribuído a Kether no alfabeto mágico .

Mas também pertence a Chesed de uma outra maneira, visto que Chesed num plano inferior é o reflexo da Coroa. A numeração direta é conservada para evitar a confusão de duas séries numéricas, continuando de um a dez sem interrupção. É apenas mencionada porque este fato por si só pode explicar os fragmentos isolados do sistema de numeração pitagórico que, quando aplicado à Árvore da Vida sem lembrar-se da dupla numeração, pode levar à imensa confusão .

Da primeira tríade, então, uma segunda tríade de emanações é refletida ou projetada abaixo do Abismo. Estas, do mesmo modo, são compostas de uma potência masculina e feminina com uma terceira Sephirah produzida em reconciliação direta de maneira a harmonizar e equilibrar seus poderes. A quarta é chamada tanto de Chesed, que significa graça, quanto Gedulah, que significa grandeza, tendo os antigos filósofos lhe designado a qualidade astrológica denominada Júpiter. Quatro é um número que significa sistema e ordem, qualidades atribuídas pela tradição astrológica ao planeta Júpiter. Segundo certas autoridades, esse é o primeiro número a mostrar a natureza da solidez, e como vimos acima que Chesed é a primeira Sephirah abaixo do Abismo, e é a primeira das Sephiroth “reais”, essas observações são justificadas. A Sephirah masculina Chesed simboliza as potencialidades da natureza objetivizada, e através da confirmação da atribuição astrológica, incluindo a figura mitológica da divindade tutelar com esse nome, os pitagóricos chamavam o Quatro de “o maior prodígio, um deus segundo uma maneira diferente da tríade” .

A quinta Sephirah é Geburah, poder, e apesar de ser uma emanação de qualidade feminina, sua natureza se afigura sumamente masculina. Alguns antigos afirmavam que o cinco era um símbolo do poder criativo e que nesse conceito de criatividade e poder se achava o caráter de Geburah. É uma força formativa, como o seu nome Poder e a atribuição planetária a Marte sugeririam, pela qual o plano formulado na imaginação cósmica e projetado como uma imagem na substância-raiz abaixo do Abismo em Chesed é impulsionado celeremente à atividade e manifestação. O cinco é composto de três e dois, o primeiro representando a energia passiva da Mãe e o segundo, a sabedoria do Pai. Não expressa tanto um estado de coisas mas um ato, uma passagem ulterior e uma transição da idealidade para a realidade .

Seis é a Sephirah desenvolvida para proporcionar harmonia e equilíbrio às forças anteriores, e seu nome é Tiphareth, uma palavra hebraica que significa beleza e harmonia. O número é um símbolo de tudo que é equilibrado, harmonioso e de boa proporção, e como é o dobro de três, reflete novamente as idéias variadas representadas por esse número .

Considerando-se, portanto, que o três representa os reais poderes motivadores da evolução, o Macroprosopus ou o Logos, da mesma maneira em Tiphareth encontramos uma reflexão devida e uniforme num Logos menor, o Microprosopus. A essa Sephirah os qabalistas atribuíram o sol, o senhor e centro do Sistema Solar. Ao consultar o diagrama da Árvore da Vida, o leitor pode perceber que Tiphareth ocupa uma posição destacada no centro da estrutura da Árvore da Vida como um todo. Os filósofos pitagóricos asseveraram que seis era o símbolo da alma, e mais tarde descobriremos que no ser humano Tiphareth, a harmoniosa emanação do sol é a Sephirah da alma do homem, o centro do sistema microcósmico e a luminosa intermediária entre o Espírito meditativo acima e o corpo com os instintos abaixo. Os doutores do Zohar da divina filosofia atribuíam a terceira letra “V” do nome divino a Tiphareth, e visto que a Tiphareth é o filho do Pai e da Mãe Celestiais, é chamada de Filho .

O selo de Salomão, os triângulos entrelaçados, um verdadeiro símbolo de equilíbrio, é o símbolo apropriado .

Os processos de reflexão continuam, e a segunda tríade composta dos números quatro, cinco e seis – embora tenham sido eles mesmos projetados pelas Sephiroth supremas –, por sua vez, gera uma terceira tríade reproduzindo a si mesma num plano ainda mais inferior. A primeira dessas Sephiroth é masculina – Netzach, que significa triunfo ou vitória. Concebe-se que o sete é um número inteiro que representa uma consumação das coisas, a conclusão de um ciclo e seu retorno para si mesmo. Assim, na sétima Sephirah, começando uma nova tríade e concluindo a segunda série de Sephiroth, são resumidas novamente todas as potências anteriores. Sua natureza é a do amor e da força de atração; o poder de coesão no universo, unindo uma coisa à outra e atuando como a inteligência instintiva entre as criaturas vivas. O planeta Vênus, emblema do amor e da emoção, é atribuído pelos filósofos da magia a essa Sephirah; da mesma maneira, a cor verde, tradicionalmente pertencente a Afrodite, como as forças pertencentes a essa Sephirah estão peculiarmente ligadas ao cultivo, à colheita e à agricultura .

Em oposição a Netzach como segunda Sephirah da terceira tríade está Hod, esplendor ou glória, que é uma qualidade feminina repetindo as características de Chocmah num plano menos exaltado e sublime. Representa essencialmente uma qualidade mercurial das coisas – sempre fluindo, em metamorfose constante e fluxo contínuo, tendo sido denominada, acredito, “mudança na estabilidade”. Com ela, detentora de natureza bastante similar, esta a nona Sephirah, Yesod, o fundamento, que é “estabilidade em mudança”. Tal como a tremenda velocidade das partículas eletrônicas assegura a estabilidade do átomo, do mesmo modo as formas fugazes e o movimento de Yesod constituem a permanência e a segurança do mundo físico. É a nona Sephirah e por conseguinte o nono dígito, compreendendo em si todos os números precedentes. Comumente chamada de plano astral ou alma do mundo, Yesod é aquele fundamento de sutil substância eletromagnética no qual todas as forças mais elevadas estão focalizadas, constituindo a base ou o modelo final sobre o qual o mundo físico é construído .

Yesod tem natureza lunar, a lua sendo o luminar atribuído visto haver uma curiosa relação entre o satélite morto da Terra e a luz astral. Yesod completa as três tríades, cujo apêndice é Malkuth, a décima e última Sephirah, que representa em forma concreta, numa completa cristalização visível e tangível aos sentidos, todas as qualidades dos planos precedentes. A própria palavra significa reino, o reino do mundo físico e o cenário das atividades e encarnações das almas exiladas de cima, a morada do Espírito Santo. No Zohar é dada a letra “H” do nome divino a Malkuth, que é chamada de Filha, sendo o reflexo mundano do primeiro “H”, que é a Mãe. Essa décima Sephirah é chamada alhures de Noiva, de Filha e de Virgem do Mundo .

Reconhecidamente, esse esboço acima oferece somente uma vista resumida e geral do sistema numérico de evolução e desenvolvimento cósmico que tanto fez jus ao respeito de Lévi e dele teve uma admiração tão grande e extremada. Nesse esboço elementar será possível perceber claramente que os números se vinculam a processos criativos ou evolutivos, e que fundamentalmente compreendida, a natureza do número é o ritmo. Essa última afirmação é importante, já que proporções e atividades harmoniosas realmente conduzem e marcam as primeiras manifestações da Vida Una nos elementos e substâncias diversas presentes em toda parte. Essas diferenciações são corretamente simbolizadas pelo número, que se concebe como sendo glifo precisamente dos processos de revelação. Representam o desenvolvimento de um universo tangível explícito a partir de uma essência intangível implícita; de uma concepção ideal à consumação da forma construída na qual o ideal encontra sua morada terrestre. Assim, para o teurgo, os números simbolizam o próprio ritmo do universo, e com seus signos apropriados eles representam poderes e entidades com os quais o teurgo procura comungar .

Há um outro aspecto da Árvore da Vida que eu gostaria de abordar. Diz respeito ao que é chamado de Quatro Mundos. Esses mundos são regiões metafísicas tanto de consciência quanto de matéria, pois a teurgia sustenta que cada estado de consciência possui seu próprio veículo, um estágio apropriado de substância. Esses mundos podem ser encarados sob dois pontos distintos de análise, sendo que o primeiro coloca uma Árvore em cada um dos quatro mundos, oferecendo-nos assim quarenta Sephiroth no total. Os quatro mundos são chamados de Mundo Arquetípico, no qual os arquétipos ou emanações primordiais são desenvolvidos sob a forma de uma Árvore da Vida. Pode-se imaginar também essa Árvore da Vida arquetípica representando uma forma humana que, no Livro dos Esplendores, é chamada de Adam Kadmon, o Homem Celestial, que contém em seu interior todas as almas, espíritos e inteligências em toda parte do cosmos. É a Alma Universal, mãe e progenitora divina de todas as outras. Essa Alma é o Homem Divino sobre o qual Lévi fala e ao qual nos referimos anteriormente; essa Alma de cuja grande vida cada ser individual e consciência independente participam. Os desdobramentos que emergem desse postulado simples e as idéias sugestivas que ele suscita são demasiado numerosos para deles tratarmos nesta oportunidade. Minha intenção primeira foi apresentar apenas um breve resumo da filosofia mágica, deixando ao leitor a tarefa de preencher por si mesmo muitas lacunas que foram deixadas em aberto .

A totalidade das Sephiroth em Olam Atsiluth, o mundo arquetípico, ocupa o plano mais elevado de consciência espiritual, o primeiro surgir de consciência do Ain Soph. À medida que os processos de evolução continuam, Adam Kadmon gradualmente projeta a si mesmo ainda mais na matéria um tanto mais densa, sua unidade sendo aparentemente fragmentada, espelhada em muitas facetas e formando o Mundo Criativo, Olam Briah. Nesse mundo, o plano contido na imaginação criativa do Macroprosopus é ainda mais elaborado, as centelhas ou idéias separadas sendo revestidas daquela condição de substância sutil apropriada àquela esfera. Aqui, também, uma completa Árvore da Vida é desenvolvida através da reflexão. Do mundo criativo, a Árvore é projetada para um terceiro plano, o Mundo Formativo, Olam Yetsirah, onde as idéias imaginativas do Logos, as centelhas monádicas espirituais já revestidas na substância mental sutil do mundo criativo se modelam em entidades consistentes definidas, os modelos astrais que dão origem ou servem de fundamentos estáveis ao mundo físico. O mundo físico, Olam Assiah, é o quarto e último plano, e como projeção cristalizada do mundo formativo é a síntese e concreta representação de todos os mundos mais elevados .

((entra aqui em página inteira o diagrama da Árvore da Vida)) Está encerrada nessa concepção a justificativa do axioma hermético “Como é acima, é abaixo”. Pois aquilo que existe abaixo possui sua duplicata arquetípica ideal nos mundos mais elevados. Em formas variadas, as idéias arquetípicas encontram sua particular representação abaixo – pedras, jóias, perfumes e formas geométricas todas sendo peculiarmente indicativas na esfera mundana de uma idéia celestial. Essa fórmula metafísica também supre Lévi da devida razão para falar do “dogma único da magia – que o visível é para nós a medida proporcional do invisível”. O mago francês também observa alhures que “o visível é a manifestação do invisível, ou em outros termos, o perfeito Logos está, em coisas que são apreciáveis e visíveis, na exata proporção com aquelas que são inapreciáveis para os nossos sentidos e invisíveis para os nossos olhos... A forma é proporcional à idéia... e sabemos que a virtude inata das coisas criou palavras, e que existe uma exata proporção entre idéias e palavras, as quais são as primeiras formas e realizações articuladas das idéias”. É essa afirmação filosófica da relação entre idéias e coisas que proporciona a base lógica fundamental de muito que é verdadeiro em magia. Quanto a esse ponto, teremos que voltar a ele mais tarde, pois há ao longo do caminho algumas outras idéias que exigem aprimoramento .

A fórmula do Tetragrammaton é também aplicada aos Quatro Mundos e aos quatro elementos primordiais. A letra “Y” é atribuída ao mundo arquetípico, sendo conseqüentemente o Pai, o gerador de tudo, o todo devorador dos mundos. O “Y” também representa, nesse caso, o elemento fogo, anunciando a natureza impetuosa, ativa e espiritual do Pai. O primeiro “H” do Tetragrammaton é atribuído ao mundo criativo, ao qual, receptivo e passivo, pertence o elemento água. Esse plano representa a Mãe que, antes que o Filho possa ser gerado, aguarda a energia criativa e o influxo da vida divina proveniente do Pai. A letra “V” cabe ao mundo formativo, o Filho que, como o Pai, é ativo, masculino e energético, daí ser o elemento ar sua atribuição. Completando o nome divino temos um segundo “H”, similar à Mãe, passivo e inativo, recebendo quaisquer influências que sejam derramadas em seu interior. Em O Livro dos Esplendores, “H” é chamado de Palácio do Rei e de a Filha, representado o mundo físico, que é a síntese de todos os mundos .

O segundo método é ligeiramente diferente do que acabamos de esboçar. Nesse caso, emprega-se uma única Árvore, sendo os quatro planos assim colocados sobre ela. Kether, a Coroa, ocupando sozinha um plano inteiro, é o mundo arquetípico, o domínio do Logos. A segunda e a terceira Sephiroth, o Pai e Mãe supremos, constituem o mundo criativo, recebendo e executando a divina imaginação. O terceiro plano, ou mundo formativo, o plano astral propriamente – do qual falaremos mais no próximo capítulo – é compreendido pelas seis Sephiroth seguintes, em cujo mundo tudo é preparado para a manifestação visível. Malkuth, o reino, é o mundo físico. Todas as atribuições relativas à primeira descrição dos quatro mundos são válidas para este segundo método, salvo o que já observei, a saber, que estão dispostas numa única Árvore .

Antes de encerrar este capítulo, é preciso que seja mencionada mais uma série de concepções. Do ponto de vista da teurgia, o universo todo é consciência, vida e inteligência corporificados sob forma visível e invisível. Através do cosmos palpita e vibra uma inteligência, uma consciência espiritual prefigurada em miríades de centelhas ou mônadas, permeando toda forma, e da qual nada nesse cosmos se acha, de maneira alguma, isento. Tal como há vários graus de qualidade de vida mineral, animal e vegetal e inumeráveis estágios de inteligência entre os homens, de acordo com as tradições mágicas essa mesma escala hierárquica de inteligência existe além e acima do homem. Não somente se pode dizer verdadeiramente no tocante ao nosso próprio universo, como também se pode afirmar que alhures nas infinitudes do espaço existem outras hierarquias de sublimes seres espirituais e inteligências divinas. Da Escuridão ignota incompreensível, que é Ain Soph, não há senão uma consciência indivisível, semelhante no mais baixo demônio de feições caninas bem como na mais elevada hierarquia celestial. Há hierarquias de consciência celestiais e terrestres, algumas divinas, outras demoníacas, e ainda outras que incluem os mais excelsos deuses e Essências universais. Esse é o eixo da totalidade da filosofia mágica. Trata-se ao mesmo tempo de um monoteísmo e de um politeísmo num sistema filosófico único. O universo todo é permeado por uma Vida Una, e essa Vida em manifestação é representada por hostes de deuses poderosos, seres divinos, espíritos ou inteligências cósmicas, chame-se-os conforme se deseje. A condição e a diversidade espirituais atribuíveis a eles são grandes e intensas; entre eles há aquelas forças deíficas da aurora rosada da manifestação cósmica da qual brotamos, centelhas espirituais arrojadas em sentido descendente a partir de sua essência divina .

Diante disso, é possível ampliar a concepção da Árvore da Vida e dos Quatro Mundos em termos de consciência. As primeiras manifestações são deuses ou seres da mais excelsa consciência que, brotando da Coroa, compreendem a Mente do Logos, ou os administradores imediatos do plano formulado. Esses seres são os deuses, Dhyan Chohans, Elohim, Teletarchae – seja qual for a designação escolhida, a idéia fundamental deve ser firmemente apreendida, ou seja, que há vastas hierarquias de seres no espaço, numa escala seqüencial ordenada de descenso dos mais excelsos deuses nos mais elevados mundos às hierarquias menores de seres angélicos dos mundos inferiores. Conectada a cada Sephirah e cada Mundo emanado de Ain Soph há uma certa hierarquia de deuses, cada um deles encarregado de uma tarefa específica na evolução e governo do universo, e detendo uma natureza característica. Tal como Kether, a Coroa, produziu as outras Sephiroth, assim os mais excelsos deuses desenvolvem a partir de si mesmos outras divindades menos augustas e menos sublimes do que eles próprios. Porquanto os números foram atribuídos às Sephiroth a fim de simbolizar processos criativos no cosmos, e visto que os deuses são atribuídos às Sephiroth, os deuses podem também ser simbolizados por números e as idéias associadas a um processo cósmico particular podem aplicar-se igualmente bem à natureza de um dado deus. Pitágoras disse bem que “há uma conexão misteriosa entre os deuses e os números” .

“Como é acima, é abaixo.” Todas as coisas sobre a Terra têm seus protótipos eternos nos céus, e todos os seres são reflexos simples, tímidos e débeis dos deuses. Quanto mais distante (metafisica e relativamente) estiver qualquer emanação de sua fonte, mais débil e lânguida será em relação àquilo de que procedeu. Os deuses ou Essências universais exprimem mais clara e brilhantemente a natureza espiritual inefável de Ain, e nos eidolons* terrestres deles, os deuses menores, tal brilho límpido se torna mais velado e pálido, e sua expressão obstada. No homem, a sombra da imagem dos deuses, a irradiação do esplendor de Brahma, na maioria dos casos, aparece inteiramente reprimida. Tal como o calor é para o fogo, diminuindo mais e mais à medida que irradia sua influência a partir da chama, é o homem para os deuses. Quanto mais se distancia deles, mais leva a cabo um processo de autodestruição .

Essa relação entre a ordem da vida e as Sephiroth, entre os deuses, homens e números explica a eficácia dos símbolos mágicos e dos papéis que eles desempenham nos ritos teúrgicos. Os signos e selos são profundamente indicativos de realidades interiores, e cada símbolo particular representa algumas das hierarquias de deuses e inteligências espirituais. Mediante essa doutrina de assinaturas, cada fenômeno** é indissoluvelmente conectado a um nôumeno***, a eficácia da teurgia sendo assim assegurada .

* Do grego, imagens, retratos, espectros, fantasmas, simulacros. (N. T.) ** Do grego, aquilo que aparece, se mostra, se manifesta. (N. T.) *** Do grego, aquilo que permanece oculto, velado, imanifestado. (N. T.) O objeto da magia é, então, o retorno do homem aos deuses, o unir da consciência individual durante a vida com o ser maior das Essências universais, a mais abrangente consciência dos deuses que são as fontes perenes de luz, vida e amor. Somente assim, para o ser humano, é possível haver liberdade e iluminação, e o poder de ver a beleza e a majestade da vida tal como ela realmente é. Mediante o retorno em espírito às fontes das quais proveio, apenas reabrindo a si mesmo a elas como uma flor dourada se abre e se volta ao sol para absorver ansiosa e avidamente seu sustento e luz, pode o homem atingir a iluminação e a suspensão das amarras e grilhões terrestres. Pela descoberta de seu próprio deus interior em primeiro lugar e formando uma relação indissolúvel com os deuses da vida universal, será encontrada a solução dos problemas do homem e do mundo. Por meio dessa consciência mais nobre de iluminação transmitida pela união divina é possível desenredar os emaranhados do caos mundial. É possível assim romper as amarras que prendem o homem com uma força superior a todas as cadeias e grilhões mortais. Nenhum rompimento desses ferros é possível a não ser por meio do conhecimento mágico do próprio eu interior e dos deuses de toda existência .

“Se a essência e a perfeição de todo bem estão compreendidas nos deuses, e o primeiro e antigo poder deles é detido por nós, sacerdotes (teurgos), e se por meio daqueles que similarmente se prendem a naturezas mais excelentes e genuinamente obtêm uma união com elas, o início e o fim de todo bem é seriamente ameaçado – se esse for o caso – é aqui que a contemplação da verdade e a posse da ciência intelectual devem ser descobertas. E um conhecimento dos deuses é acompanhado do... conhecimento de nós mesmos.” * * Mistérios Egípcios, Jâmblico .

A Missão do Teurgo

“Existe um agente que é natural e divino, material e espiritual, um mediador plástico universal, um receptáculo comum das vibrações cinéticas e das imagens das formas, um fluido e uma força, que podem ser chamados de certo modo de Imaginação da Natureza... A existência dessa força é o grande arcano da magia prática.” O agente mágico ao qual Lévi se refere aqui é a substância do mundo formativo ou, mais particularmente, a esfera de Yesod – uma palavra hebraica que pode ser traduzida como o Fundamento ou a Base. O direto equivalente da Yesod qabalística na filosofia teosófica tal como enunciado por Madame Blavatsky – e nesse ensejo seguirei o extenso esboço delineado em seu sistema e aquele formulado em Dogma e ritual de Alta Magia, de Lévi – é conhecido como luz astral. Definido em alguns lugares como um fluido ou meio onipresente que tudo permeia, constituído por matéria extremamente sutil, essa luz está difundida pelo espaço, interpenetrando e penetrando todo objeto ou forma visíveis. Se quisermos estabelecer tal idéia diferentemente, trata-se de um plano quadridimensional composto de uma substância etérea luminosa num estado sumamente tênue, substância em sua natureza elétrica, magnética e radioativa .

“Esse fluido ambiente e que tudo penetra, esse raio destacado do esplendor do sol e fixado pelo peso da atmosfera e pelo poder de atração central, esse corpo do Espírito Santo, que chamamos de luz astral e agente universal, esse éter eletromagnético, esse calórico vital e luminoso é representado nos antigos monumentos pelo cinto de Ísis que se enlaça num nó cego ao redor de duas varas, pela serpente de cabeça taurina, pela serpente de cabeça de bode ou de cão, nas antigas teogonias pela serpente que devora a própria cauda, emblema da prudência e de Saturno. É o dragão alado de Medéia, a serpente dupla do caduceu e o tentador do Gênese; mas é também a cobra brônzea de Moisés que circunda o tao, isto é, o lingam gerador; é a hyle dos gnósticos e a cauda dupla que forma as pernas do galo solar de Abraxos.” É nesses termos simbólicos, eloqüentes e singularmente expressivos à sua maneira, embora com ressaibo de verbosidade para o leitor final, que o mago francês descreve a luz astral. Trata-se de símbolos sumamente interessantes e significativos, e se bastante cuidado e atenção forem dispensados em sua interpretação, proporcionarão considerável instrução e poderão servir para revelar muitas informações valiosas, auxiliando na compreensão intelectual, ao menos, da natureza e das características desse plano sutil. Vibrando a um índice cinético diferente da substância grosseira do mundo físico, e existindo assim num plano superior, a luz astral contém o planejamento ou modelo do construtor, por assim dizer, projetado em sentido descendente pela ideação ou imaginação do Pai; o planejamento com base no qual o mundo exterior é construído, e dentro de cuja essência jaz latente o potencial de todo crescimento e desenvolvimento. Todas as forças e “idéias” dos domínios criativo e arquetípico são representadas e focalizadas nesse agente plástico, o mundo formativo. Ele é de imediato substância e deslocamento, sendo o movimento “simultâneo e perpétuo em linhas espirais de deslocamento em contrário”. Foi o falecido Lorde Salisbury, posso aqui intercalar, que definiu o éter como o nominativo do verbo “ondular” .

Em muitos pontos, esse mundo formativo, o recipiente das forças criativas superiores, é comparável em seus aspectos mais inferiores ao éter da ciência. Há, contudo, uma ressalva. A luz astral foi no passado e poderá no futuro ser verificada pela experiência direta visionária. A concepção científica do éter hoje difere radicalmente daquilo que o cientista de meio século atrás entendia por éter luminífero. Tanto assim que avaliado por seus padrões e empregando sua linguagem, a moderna idéia de éter e suas ondas de irradiação não são realidades em absoluto. E a despeito disso, o que é suficientemente estranho, observa Sir James Jeans em Os mistérios do Universo, o éter é uma das coisas mais reais “de que temos qualquer conhecimento ou experiência, sendo, portanto, tão real quanto qualquer coisa possivelmente possa ser para nós”. A entidade que os físicos experimentais hoje definiriam como éter teria que ser algo que reagisse qualitativa e quantitativamente aos instrumentos e equações matemáticas deles. Por outro lado, quando os teurgos se referem à substância magnética e elétrica da luz astral, uma condição ou estado metafísico da substância está implícito – uma condição ou estado que atualmente não pode ser mensurado ou observado com instrumentos físicos, embora sua existência seja corroborada nos mesmos termos por uma série de videntes treinados e magos. Reside, como já afirmamos, num plano existencial e consciencial completamente diferente, e suas partículas vibram de uma tal maneira e a uma tal taxa de movimento que são inteiramente invisíveis e imperceptíveis aos nossos sentidos comuns exteriores .

Recentemente assistiu-se no domínio da especulação científica ao desenvolvimento da teoria eletromagnética que, por motivos de ordem prática da física, descarta como desnecessária a hipótese vitoriana de um éter luminífero ondulante que tudo penetra. No seu lugar, foi instalada como se num trono majestoso, coroada e venerada com devoção, uma concepção matemática ainda mais abstrata: o múltiplo ou contínuo espaço-tempo. Um grupo de cientistas é inteiramente a favor da manutenção da hipótese do éter, enquanto muitos outros, não menos famosos e de menor autoridade, estão igualmente convictos de que uma tal estrutura sutil como o éter inexiste e nem sequer é possível. Admitem-na apenas como uma estrutura teórica de referência, caso em que assume o papel de uma hipótese de trabalho destituída de qualquer grau de realidade objetiva. Um exame das definições científicas desses dois grupos de cientistas, entretanto, revela o fato de que pelas expressões éter e contínuo espaço-tempo quadridimensional indicam um único e mesmo conceito. Sir Arthur Eddington, em uma de suas recentes obras, ao fazer referência a esses dois conceitos científicos, expressou a opinião de que ambos os partidos querem dizer exatamente a mesma coisa, sua cisão estando somente nas palavras. Sir James Jeans, em sua obra anteriormente mencionada, observa cautelosamente com relação a essa obscura questão que parece apropriado descartar a palavra “éter” a favor dos termos mais modernos “múltiplo” ou “contínuo”, apesar de o princípio essencial permanecer quase totalmente inalterado. Em outra parte, nessa mesma obra de erudição, o sábio cientista assevera que todos os fenômenos do eletromagnetismo podem ser considerados como ocorrentes num contínuo de quatro dimensões – três espaciais unidas a uma temporal – no qual é impossível separar o espaço do tempo de qualquer maneira absoluta. Chamo atenção particularmente para essa observação porque se enquadra aproximadamente na natureza de uma exata confirmação daquilo que os mais eminentes magos de todos os tempos escreveram relativamente a Anima Mundi ou o Azoth. É possível indicar bem grosso modo as demais observações de Jeans dizendo que se desejarmos visualizar a propagação de ondas luminosas e forças eletromagnéticas tomando-as como distúrbios num éter, nosso éter poderá ser considerado uma estrutura quadridimensional que preenche todo o contínuo, estendendose assim por todo o espaço e todo o tempo, caso em que todos nós desfrutamos do mesmo éter .

Esse éter da ciência que todos podem desfrutar e que se estende ao longo do espaço e do tempo, servindo como o meio das vibrações de todos os tipos, difere em poucos pontos essenciais da luz astral de Lévi. A definição em que insistem constantemente os teurgos relativamente a esse plano etéreo é que se trata de um estágio de substância plástica refinada, menos densa e grosseira que aquela que vemos normalmente em torno de nós, de natureza magnética e elétrica, servindo como o fundamento real sobre o qual as formas e acúmulo de átomos do universo físico se ordenam a si mesmos. É o plano que, em seu aspecto mais inferior, constitui a verdadeira cloaca do universo, compreendendo aquela faceta da consciência que dirige os instintos e as energias dos animais; em suas ramificações superiores, elevando-se além dessa esfera mundana, realmente faz fronteira com o divino. Que assim é pode-se compreender por meio da referência à Árvore da Vida, na qual vê-se que o Mundo Formativo não inclui apenas a esfera de Yesod, mas naquela classificação da Árvore em Quatro Mundos, ela se estende bem além de Yesod, de modo a incluir Tiphareth, a casa da Alma, mesmo até a beira do Abismo. A esfera do Fundamento é somente sua fase mais inferior. Como Yesod apenas, é aquela região grosseira do cosmos metafísico que contém os restos astrais rejeitados das criaturas vivas, a sujeira bestial e mental descartada pelos seres humanos na sua ascensão após a morte a esferas mais elevadas. Nos seus aspectos de Chesed e Geburah, é a mais pura expressão do céu, por assim dizer, a morada devachânica. Relativamente a essa maneira de considerá-lo, é ocasionalmente chamado de divino Astral, e de Alma do Mundo .

“É em si mesmo uma força cega, mas pode ser dirigida pelos líderes das almas, os quais são espíritos da ação e da energia. É de imediato a teoria por inteiro dos prodígios e milagres. Como, de fato, poderiam tanto o bem quanto o mal constranger a natureza a expor suas forças excepcionais? Como poderia o espírito réprobo, desviado, perverso deter em alguns casos maior poder que o espírito da justiça, tão poderoso em sua simplicidade e sabedoria, se não supormos a existência de um instrumento do qual todos podem fazer uso, sob certas condições, de um lado para o maior dos bens, do outro para o maior dos males?” Quero insistir enfaticamente com relação a esta dupla interpretação do éter mágico que Lévi aqui apresenta, que nele estão incluídos um elemento inferior vil e um elemento superior nobre. O primeiro é a base da causa feita por si mesma de muitos dos males da espécie humana, o segundo é o fogo central e a Alma do Mundo. O divino Astral é solar e celestial por natureza, enquanto que o grosseiro Astral é lunar, reflexivo e puramente automático. Blavatsky confirma essa hipótese da natureza dupla da luz astral nos seguintes termos: “A luz astral ou Anima Mundi é dupla ou bissexual. Sua parte masculina (ideal) é puramente divina e espiritual, é a sabedoria, é Espírito ou Purusha; sua porção feminina é maculada num certo sentido pela matéria, é efetivamente matéria, e portanto é já o mal*.” Desnecessário afirmar que o teurgo diz respeito inteiramente às mais elevadas regiões da luz astral, os fogos solares .

* A doutrina secreta, v. I .

Do ponto de vista prático, esse plano é o agente mágico ao qual a visão treinada e acumulada dos teurgos atribuiu o poder de transmitir vibrações e impressões não somente de luz, calor e som físicos, mas também aquelas vibrações mais sutis e menos tangíveis, que não são, todavia, menos reais por sua imperceptibilidade, que pertencem a correntes projetadas de Vontade, pensamento e sentimento. Lévi chama esse instrumento de imaginação da natureza, porquanto está sempre vivo de ricas formas, sonhos exóticos, imagens luxuriantes, o veículo imediato das faculdades mentais e emocionais. O controle desse plano constitui de um certo ponto de vista a Grande Obra. Alguns magos, inclusive o ilustre Lévi, opinavam que o segredo mágico central é o da orientação sob vontade desse arcano. Sendo o veículo em que são registradas dinamicamente as paixões e impressões mentais de toda a espécie humana, a memória da natureza inferior, e estando presente na Terra todo o tempo, visto que tudo penetra e é um plano destacado do físico, seu conteúdo deve influenciar muito as mentes de homens débeis e sensíveis. E não apenas esses últimos, como a maioria das crianças da Terra é influenciada de alguma maneira pelas correntes que ondulam por sua substância. Por conseguinte, postar-se isolado em relação às suas cegas ondulações e transcendê-lo cabalmente a ponto de se mover naquele estrato mais elevado que é sua alma não constitui realização desprezível, mas sim digna de todas as energias humanas .

Uma moderna autoridade em magia, aquela cujo pseudônimo é Therion, declara que nos estratos superiores da luz astral “dois ou mais objetos podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo sem interferência entre si ou perda de seus contornos. Nessa luz, os objetos podem alterar sua aparência completamente sem sofrer transformação de sua natureza. A mesma coisa pode revelar a si mesma num número infinito de aspectos distintos. Nessa luz ése célere sem pés e voa-se sem asas; pode-se viajar sem se mover e se comunicar sem as formas convencionais de expressão*.” No que diz respeito ao processo de viajar no corpo de luz, a autoridade que citei acima acrescenta que ali somos insensíveis ao calor, ao frio, à dor e a outras formas de percepção sensorial, que nessa luz estamos presos pelo que superficialmente pode parecer uma série inteiramente diferente de leis. Nesse plano, que é o agente mágico par excellence, símbolos, emblemas e selos não são convenções intelectuais e nem mesmo representações arbitrárias de idéias universais e forças naturais; são entidades vivas absolutas, possuindo nesse plano vida e existência reais e independentes que lhes são próprias. À primeira vista, isso pode não parecer importante, mas tal afirmação é realmente de máxima importância no trabalho mágico. Os símbolos representam no plano astral entidades reais e tangíveis. No capítulo anterior nos esforçamos para demonstrar que os números indicavam com profundidade os processos de evolução e de desenvolvimento e expressavam sinteticamente tanto o ritmo cósmico quanto certas forças e inteligências ocultas a que damos os nomes de deuses, Dhyan Chohans e Essências. A esses números que representam forças imensamente poderosas são aplicáveis vários selos e pictogramas, os quais possuem nesse Mundo Formativo uma existência que não é em absoluto simbólica no sentido no qual entendemos normalmente esse termo, mas real, vital e viva. Na substância plástica e maleável da luz astral esses símbolos podem ser galvanizados à atividade por uma vontade e uma imaginação treinadas. Essa substância é peculiarmente suscetível aos vôos e às obras da imaginação, esta última possuindo o poder de transformar seu fluxo perpétuo e deformidade em moldes e matrizes que a vontade é capaz de estabilizar e energizar poderosamente numa dada direção. Entre numerosos exemplos está registrado aquele de uma mulher grávida que, tendo experimentado um choque nervoso, a impressão foi imediatamente transferida através do meio da imaginação atuante sobre a luz astral ao feto em formação gerado em seu útero. Historicamente, as deusas que presidiam entre os antigos ao nascimento eram deusas da lua e, conseqüentemente, da luz astral. Considera-se entre essas raças que a lua possui maior poder para acelerar o desenvolvimento da vida, das plantas e de toda a vegetação que o próprio sol. Sempre foi tida como o astro da mudança, da geração e da fertilidade. Em A doutrina secreta há muita informação e especulação incomuns a respeito da relação oculta entre a lua e o nosso planeta, embora o mero saber que essa relação realmente exista seja suficiente para finalidades práticas por parte do noviço. A conexão da lua com a luz astral é, entretanto, inteiramente válida, a maioria das autoridades nesse ponto estando de pleno acordo. Astrologicamente, a lua é o planeta que simboliza mudança e fluxo, e as contínuas alterações das formas, a troca das condições. No plano astral, a visão treinada registrou que ali as configurações mudam de forma, cor e tamanho da maneira mais extraordinária; e para o noviço em Skrying constitui um fenômeno sumamente desconcertante e enigmático ver um conjunto de percepções desvanecerse sob seu próprio nariz para ser substituído por um outro grupo de cenas que terá muito brevemente o mesmo destino. Trata-se de um caleidoscópio oscilante de fenômenos, sendo que as figuras, formas e energias nunca estão imóveis. Por conseguinte, estabelecer uma relação entre a lua e a luz astral é uma correspondência perfeitamente óbvia. Ademais, foi observado que a lua não brilha graças à sua própria luz interna e autogerada, mas sim por refletir os raios do sol. Yesod, a esfera da lua na Árvore da Vida, está colocada imediatamente abaixo de Tiphareth, a esfera do sol, refletindo assim as forças criativas de cima para baixo. Há muitas outras razões altamente significativas, demasiado numerosas para aqui serem citadas, a favor dessa associação da lua com a luz astral, conquanto o estudo e o experiência mágica provam a validade e precisão da correspondência .

* Magick, Mestre Therion .

Nas lendas de todos os povos, mesmo dos das mais primitivas tribos selvagens, está presente a concepção da luz astral como meio das vibrações do pensamento e dos atos mágicos. Sir J. G. Frazer, o eminente antropólogo e autoridade em folclore, registra muitas delas em sua A rama dourada. Muitos outros autores também discutiram a natureza dessa força hipotética reconhecida pelos primitivos, sem ter se aproximado de qualquer clara formulação de sua natureza como o grande agente mágico, o que dificilmente se poderia esperar, visto que seus estudos e pesquisas jamais deixam, por um único momento, o plano acadêmico. Os melanésios das ilhas do mar do sul acreditam, segundo afirmação do professor Bronislaw Malinowsky em seu pequeno livro sobre mitos, num depósito ou reservatório de força sobrenatural ou mágica a que deram o nome de mana, o qual, como uma força similar concebida como Orenda pelos índios norte-americanos, crê-se ter seu centro na lua. Essa última parece, por assim dizer, encerrar um tanque gigantesco desse poder oculto que pareceria por eles ser associado com a fonte da vida e da energia. Não é difícil perceber que essa concepção – imperfeitamente registrada pelos antropólogos, ou imprecisamente descrita pelos primitivos, é difícil dizer, sendo provável que a falha exista dos dois lados – seja uma formulação muito vaga daquela realidade que em magia chamamos de luz astral .

Foi, contudo, com absoluta clareza reconhecida pelos teurgos egípcios, sendo que em relação a isso não há o transtorno de teorias ou descrições vagas, pois observamos que quase cada jarda dos chamados mundos superior e inferior, Amentet e Tuat, que são os dois aspectos, inferior e superior do plano astral, é cuidadosamente mapeada e suas qualidades observadas. E como se não o bastasse, em alguns dos capítulos de O livro dos mortos, cada subdivisão é descrita com precisão em benefício dos mortos – e, conseqüentemente, em beneficio do teurgo – acrescendo-se os nomes dos guardiões e vigias dos pilões através dos quais a alma defunta tinha que passar a fim de obter o ingresso em alguns outros salões do reino de Osíris. Repetindo a visão egípcia, Budge menciona que o Tuat não era considerado o subterrâneo seja do céu, seja de seus limites; mas estava localizado nas fronteiras do mundo visível; que não se tratava da um lugar particularmente feliz, percebe-se pela descrição de O livro dos mortos, quando o escriba Ani ali chegou, aparentemente desnorteado, “Não há água ou ar aqui, sua profundidade é insondável, é tão escuro quanto a mais escura das noites e os homens vagueiam sem esperança”. Uma observação final do venerável protetor das Antigüidades egípcias do Museu Britânico é que o Tuat era uma região de destruição e morte, um lugar onde os mortos apodreciam e se deterioravam, um lugar de abominação e horror, terror e aniquilamento; que isto coincide perfeitamente com as esferas astrais inferiores de desintegração ou kama loka pode-se tomar por certo .

O divino astral era conhecido como o reino de Osíris ou Amentet ; também chamado de ilha da verdade onde nenhuma alma podia ser conduzida após sua morte até que fosse declarada “de palavra verdadeira” pelos deuses na Grande Avaliação. Um canto dessa região era especialmente reservado como morada das almas beatificadas, onde Osíris, na qualidade de deus da verdade, era a esperança e consolo eterno daqueles de disposição espiritual .

Teosoficamente, Amentet poderia ser denominado Devachan, a morada dos deuses, e de um ponto de vista teúrgico ocuparia aquela parte do Azoth à qual demos o nome de divino astral .

De acordo com O livro dos mortos há sete grandes salões e vinte e um pilões que dão acesso a essa região celestial, havendo para cada um dos vinte e um pilões dois vigias ou guardiões sagrados. Numa outra parte desse Livro são dados com certo detalhe os nomes dos arautos e guardiões de portas mais as fórmulas de magia prática mediante a qual eles podem ser sobrepujados o ingresso à ilha da verdade realizado. Tão precisos eram os magos egípcios em seu pensamento que imaginavam correspondências entre as várias divisões do Egito e os domínios metafísicos do Tuat e Amentet. Cada uma das várias camadas ou regiões do mundo astral, tanto grosseira quanto divina, era mapeada com uma precisão que mesmo hoje não encontra com que rivalizar ou se igualar .

Há um outra analogia bastante significativa para a qual devemos dirigir nossa atenção .

Entre psicanalistas oficiais encontramos o conceito de inconsciente. Esse termo implica uma corrente dinâmica de pensamento, memória e tendência que flui abaixo do nível de nossa consciência normal individual, servindo como o receptáculo de instintos e memórias raciais e aqueles complexos que são com freqüência o resultado de conflito consciente. Como essa coleção de instintos e impulsos automáticos possui uma origem na evolução muito anterior à formação e desenvolvimento do intelecto no homem, é, conseqüentemente, mais poderosa e urgente dentro dele. É dessas camadas de hábito e consciência racial herdada que se supõe que os primitivos tenham extraído a elaboração de seus eloqüentes mitos e lendas. Esses são, assim, não somente um registro de história pré-histórica da raça, mas também uma expressão dinâmica daquilo que esses psicólogos chamariam de inconsciente coletivo, visto que com respeito a toda raça e povo primitivos, independentemente de ter havido ou não relação e comunicação sociais, mitos e lendas são essencialmente idênticos. Considerando-se que aquilo que os analistas chamam de inconsciente é praticamente sinônimo num certo aspecto do que os cabalistas denominam Nephesch, e considerando-se que este último se funda na luz astral do mesmo modo que o corpo físico se funda e se forma a partir da matéria grosseira, há entre a luz astral e o conceito de inconsciente coletivo uma clara correspondência. Tal como o inconsciente no caso de alguns indivíduos é uma entidade vulcânica subterrânea que despedaça a integridade e unidade da consciência, do mesmo modo a tradição mágica assevera que é ao aspecto inferior da luz astral, o depósito de memórias raciais, apetites predatórios, instintos e todos os impulsos animais, que uma grande parte da espécie humana deve seus problemas, enfermidades e lamentáveis fontes de conflito. É sobre essa parte de Nephesch ou do inconsciente que o mago, afirma Lévi, tem que assentar seu pé, de maneira que seja conquistada, controlada e mantida em seu lugar adequado. Ao mesmo tempo, entretanto, o chamado inconsciente com sua riqueza de material animado, sua fertilidade de idéias e sugestões impressivas pode ser para algumas pessoas a fonte de inspiração poética e artística .

Esse aspecto do inconsciente, o aspecto mais elevado ou divino da luz astral, ou Neschamah no homem, é o que o mago busca cultivar e expandir, visto que graças ao seu crescimento, desenvolvimento e facilidade de expressão ele opera também sua própria integridade individual e a habilidade de superar a si mesmo .

No interior dessa luz astral que individualmente trazemos conosco em todas as ocasiões e em todos os lugares, vivemos, nos movemos e somos. Cada pensamento que temos grava uma impressão indelével na substância impressionável daquele plano – na verdade a tradição sustenta que ele se funde com alguma das criaturas daquele plano e então é transferido de nosso controle imediato para esse oceano pulsante de vitalidade e sentimento para influenciar outras mentes no bem ou no mal. Toda coisa viva respira e absorve essa luz livremente, não sendo exclusividade ou particularidade de nenhuma. De fato nela vivemos muito semelhantemente a um peixe na água, circundados por todos os lados e em toda direção; e como um peixe nós constantemente a aspiramos e expiramos através de guelras astrais, por assim dizer, dela extraindo energia e para ela acrescentando uma variedade de impressões a cada momento. Não só é este agente mágico a imaginação da natureza, como também desempenha o papel de memória da natureza, pois cada ato que realizamos, cada pensamento que atravessa nosso cérebro, cada emoção ao deixar nosso coração registram a si mesmos na matéria astral, permanecendo aí por todo o tempo como um registro eterno, de modo que aqueles que são capazes possam ver e ler. Quanto a isso, Éliphas Lévi observou de maneira significativa que “O Livro das Consciências, o qual, de acordo com a doutrina cristã será aberto no dia derradeiro, nada mais é do que a luz astral na qual estão preservadas as impressões de todo Logos, que é toda ação e toda forma. Não há atos solitários e não há atos secretos; tudo o que nós verdadeiramente queremos, ou seja, tudo o que confirmamos por nossas ações, está escrito na luz astral” .

Embora alguns possam pensar que para o teurgo dificilmente possa haver algo mais interessante e esclarecedor do que examinar a memória dessa luz, não é esta a ação do teurgo, pois isso nem o interessa nem lhe é útil na prática. Como seu objetivo é a aquisição de autoconhecimento e a união divina, seria uma certa perda de tempo precioso envolver-se na transliteração desse registro. A despeito de ser necessário ao mago investigar a natureza dessa luz em seu corpo de luz e familiarizar-se com os aspectos variados de consciência que esse plano continuamente apresenta, no que diz respeito ao seu próprio trabalho, ele sempre procura ascender aos domínios espirituais mais ígneos. Seu interesse na luz astral, sendo esta um plano magnético dinâmico, é no sentido da mesma lhe servir mais pronta e adequadamente do que qualquer outra coisa para focalizar as forças e inteligências com as quais ele aspira entrar em contato. Em segundo lugar, porque nessa luz ou em suas camadas superiores ele pode perceber a si mesmo em reflexo, como os outros o vêem, por assim dizer, e assim obter dados confiáveis que o conduzam ao autoconhecimento .

Separando o bem do mal, o éter solar divino do éter lunar maléfico, ocorre automaticamente uma divisão nessa luz. Nesse plano parece que os pensamentos impuros dos homens perduram por um período mais longo que os bons pensamentos, porque esses aparentemente sobem às camadas mais elevadas, às regiões de harmonia e às partes superiores do mundo da formação. O resultado é que a luz astral, cujo espaço lunar é povoado pelos elementos mais grosseiros e maliciosos do ser, torna-se gradualmente cada vez mais contaminada, sua sujeira pairando sobre a espécie humana como uma mortalha tóxica mortífera. Nos livros da Cabala, os constituintes dessa mortalha venenosa são comparados aos Qliphoth ou cascões excrementais dos estágios mais baixos de existência. São os córtices adversos, “demônios de rosto canino” de acordo com os oráculos caldeus “nos quais não há traço de virtude, jamais mostrando aos mortais qualquer sinal de verdade”. É esse aspecto da luz astral que é para cada ser humano a serpente sedutora do mal do Gênese, e é aquele aspecto cego que tem que ser transcendido pelo teurgo, visto que sendo representado em sua própria constituição é o que obsta a execução da Grande Obra. Se esse processo de preenchimento do plano astral com os Qliphoth continuasse indefinidamente, sem qualquer meio adequado de eliminá-lo e proceder a uma purificação, resultaria no envenenamento total da espécie humana por suas próprias emanações vis. A despeito de todos os esforços do modesto grupo de místicos e teurgos ao longo das eras, que transmutam através de suas próprias vidas e realizações espirituais os elementos baixos em bem duradouro e afável, o mal se torna mais pesado em cima do que embaixo, por assim dizer. A excessiva força maléfica é então precipitada de acordo com as leis naturais e cíclicas. Essas precipitações de impureza astral ocorrem realmente sob as formas de convulsões desastrosas da natureza. Terremotos, incêndios e enchentes elementais, e crimes e doenças cataclísmicas são algumas de suas manifestações. Escrevendo profundamente para confirmação desse parecer, Éliphas Lévi declara a convicção de que a luz astral é “a força misteriosa cujo equilíbrio é a vida social, progresso, civilização e cujo distúrbio é a anarquia, revolução, barbárie, de cujo caos um novo equilíbrio finalmente se desenvolve, o cosmos de uma nova ordem, quando uma outra pomba paira sobre as águas enegrecidas e turvas. Essa é a força pela qual o mundo é transtornado, as estações são mudadas, pela qual a noite da miséria e desgoverno pode ser transfigurada no dia do Cristo... na era de uma nova civilização, quando as estrelas da manhã cantam em conjunto e todos os filhos de Deus proferem um brado de alegria” .

Assim, ao mesmo tempo, a luz astral é um nimbo de máxima santidade e uma serpente vil de destruição, a mais excelsa concepção de um domínio celestial bem como do mais abjeto inferno de depravação. Se é através dos canais da luz astral que são executadas as calamidades universais, e se a anarquia e as catástrofes são o produto de seu desequilíbrio e perturbação, segue-se que através desse meio, também, pode uma ordem nova e aprimorada de equilíbrio e harmonia ser instituída sobre a Terra mesmo em nosso próprio tempo. Uma civilização mais amável pode, assim, ser o resultado da presente passagem a esmo pelo caos e a confusão ignóbil. Eis aqui, então, uma chave à nossa disposição .

Alguns têm acusado o teurgo de ser egoísta no sentido de parecer primeiro empenhar-se a favor de sua própria salvação. Na realidade, seu juramento diz respeito a essa grande realização, essa transfiguração do mundo de desgoverno num aeon mais claro; ele jurou ser o arauto invisível e silente de um mundo novo e melhor. Superficialmente pode parecer que ele tenta lograr um grau de consciência espiritual para si mesmo apenas, e que não se importa em absoluto com o bem-estar da humanidade. Mas seus esforços para alcançar a divindade finalmente redundam no sumo proveito do caminhar normal da espécie humana. “Eu ...”, disse um sábio, “...se for erguido, erguerei toda a humanidade comigo.” Assim é com o teurgo. Proclo observou que por meio das invocações mágicas e a união espiritual, as essências divinas parecem de algum modo descer ao mundo e encarnar entre as fileiras dos homens .

Quando o teurgo consumou a união com a Alma Universal e se tornou uno com as grandes essências que constituem a alma e inteligência diretora de Adão Kadmon, o homem celestial, está no domínio de seu poder prestar realmente um serviço incomparável à espécie humana, pois esta terá sido sumamente exaltada pela descida dos deuses. Será, então, uma decisiva possibilidade executar as necessárias mudanças na substância plástica e arquétipos do mundo da formação, que atuarão eles mesmos conseqüentemente no plano físico e ajudarão a elevar as mentes dos homens e restaurar a harmonia e ordem eternas das esferas, fontes da vida e do ser. Mas enquanto o mago não tiver ele próprio instituído harmonia no âmbito de sua própria consciência, seu poder será limitado. Enquanto a beleza e a iluminação não constituírem a ordem de sua própria vida e enquanto ele não tiver equilibrado aquela esfera com as Essências Universais, os centros perenes da luz e da vida que sustentam o universo em todas as suas ramificações, não será capaz de concretizar de maneira cabal esse sonho utópico da humanidade .







Magia Subjetiva, Magia Objetiva


Em relação à complexa controvérsia filosófica de séculos relativa à subjetividade ou objetividade dos fenômenos, há alguns problemas sumamente abstrusos a serem resolvidos por cada teurgo. Cada um desses problemas clama imperiosamente por resposta. A Cabala deixa toda a questão aberta para ser respondida eventualmente sob a luz da experiência espiritual .

Esse grande problema não é passível de ser descurado, embora a prática mágica não precise necessariamente ser afetada por uma opinião sustentada preferivelmente a uma outra. Muitos teurgos preferiram o óbvio ponto de vista direto isento de todas as complexidades da metafísica. Considera todas as coisas individuais, os deuses e todas as forças da natureza como existindo independentemente entre si e exteriores à consciência individual; que o teurgo não passa de uma porção infinitesimal da grandeza majestosa da universalidade. Essa teoria pressupõe que as hierarquias espirituais existem da maneira mais objetiva concebível. Em algum lugar do universo em algum plano sutil invisível há uma inteligência chamada Taphthartharath, por exemplo, que é um ser tão real em seu próprio modo como o alfaiate de alguém o é no seu, e que como o alfaiate ele responde quando convocado através dos métodos apropriados .

Taphthartharath é assim tão independente dos sentidos e consciência do mago quanto este é independente dos sentidos de uma mosca doméstica ordinária. Ambos existem objetivamente cada um em seu próprio plano à sua própria maneira. As mesmas observações se aplicam aos vários planos sutis da natureza com os quais o mago entra em contato. Embora sejam invisíveis e compostos de uma substância sutilíssima e rarefeita, ainda assim, do mesmo modo, são objetivos para sua própria mente. Assim, o progresso na teurgia implica uma união real entre a consciência menor do mago e a consciência maior do deus. O primeiro é assimilado à própria estrutura e natureza do segundo .

Um dos postulados fundamentais da magia é que o homem é uma imagem exata em miniatura do universo, ambos considerados objetivamente, e que aquilo que o homem percebe como existente externamente está também, de alguma maneira, representado internamente .

Uma interpretação dessa idéia fornecida por Blavatsky – e, na verdade, por todos os filósofos ocultistas, inclusive Steiner e Heindl – é que o homem foi formado pela ação de diversas hierarquias criadoras, sendo que cada uma delas não apenas contribuiu com alguma parte de si mesma, como também efetivamente desceu à Terra e se encarnou em natureza humana .

Evidências semelhantes existem no Livro dos Mortos, demonstrando que entre os egípcios não havia nenhuma parte do homem que não estivesse relacionada com as essências universais; que cada membro e parte de sua natureza era, na verdade, o membro de algum deus. Com base nessa teoria, os deuses e as essências universais passam a ser apreendidos no domínio da constituição interior do homem, prestando-se à interpretação de que a arte teúrgica não envolve a convocação de entidades exteriores, que é o caso da teoria da objetividade, mas sim a revelação das faculdades inerentes ao próprio ser humano. Desse ponto de vista, a experiência mística não se refere primariamente a qualquer assunto externo. Formulando esse elemento de um modo um pouco mais preciso, a transformação espiritual da união é fundamentalmente um reajuste de elementos psíquicos entre si, o que capacita a máquina inteira a funcionar harmoniosamente. Não há necessariamente introdução através dos canais do ritual mágico de novas idéias, ou deuses. Graças a esse meio ocorre uma expulsão de idéias decadentes que obstruíram o processo vital com conseqüências desastrosas. A organização psíquica ou alma não estivera em harmonia consigo mesma, e através dos mecanismos da magia ela agora gira verdadeiramente em torno de seu próprio eixo, e ao fazê-lo encontra simultaneamente sua verdadeira órbita no sistema cósmico. Tornando-se una consigo mesma, efetuando este reajuste dinâmico, esta retomada da integridade de sua consciência, ela se torna una com o universo, ou com alguma porção do universo. O processo é análogo ao que acontece no plano físico com uma pessoa cuja mandíbula, por exemplo, é deslocada. O infeliz com uma mandíbula deslocada não está apenas em desarmonia consigo mesmo, como também com o universo; nem seus próprios esforços nem aqueles de seus amigos podem ajudá-lo. Mas então surge um cirurgião que, aplicando uma ligeira pressão, coloca a mandíbula no lugar; aquele homem é devolvido à harrmonia e – é claro – o universo é estaticamente transformado .

Assim, a “união com um deus” e o êxtase que daí advém são o resultado de harmonizar ou equilibrar por meio da magia as várias até então conflitantes ou separadas porções da consciência. Nada novo foi acrescentado à mente ou invadiu a esfera da consciência a partir do exterior para que um homem devesse estar tão iluminado e capacitado a perceber com fino arrebatamento a beleza da natureza e a glória esplêndida no coração de todas as coisas. Certos centros de sua mente ou idéias poderosas, até aqui latentes no interior dos departamentos de seu próprio ser, foram estimulados a tal ponto que uma síntese mais elevada e um mundo melhor são revelados .

Visto que é sua própria consciência que o mago deseja influenciar, expandir e elevar-lhe os limites, é preciso apresentar uma breve exposição dos métodos pelos quais os teurgos concebem essa consciência. Previamente, a Árvore da Vida foi considerada como um símbolo numérico da progressão ordenada do universo a partir da idealidade; como um meio de classificação para referência sistemática das hierarquias espirituais; e, em terceiro lugar, como a estrutura de referência para idéias, símbolos e signos que estão presentes na magia prática. As Sephiroth podem ser pensadas como forças cósmicas, como emanações cuja esfera principal de operação se acha no macrocosmo. Por analogia e já que o ser humano é, por definição, o microcosmo, princípios similares têm preponderância na economia humana. As hierarquias de deuses, sendo cósmicas em suas atividades, são também, das mais grandiosas às mais modestas, representadas em alguma parte dos princípios que na sua totalidade compreendem o que conhecemos como homem, exatamente como elas em si mesmas, como a totalidade das forças cósmicas, são incluídas na concepção unificadora do Homem celestial. O poeta celta A. E. em seu mais recente trabalho, Song and its fountains [A canção e suas fontes], no qual ele se empenha para descobrir a fonte da criação lírica numa entidade espiritual interna além da imaginação, percebe com suma beleza essa concepção. “Penso que poderíamos descobrir se nossa imaginação é profunda fazendo os raios de nossa personalidade transbordarem para algum zodíaco celeste. E, como em sonho, o ego é drasticamente dividido em isto e aquilo e tu e eu, de sorte que na totalidade de nossa natureza estão todos os seres que os homens imaginaram, aeons, arcanjos, domínios e poderes, as hostes das trevas e as hostes da luz, e podemos trazer este ser múltiplo a uma unidade e ser herdeiros de sua sabedoria imensurável.” Dos grandes seres que surgiram na alvorada do tempo ao mais baixo elemental e eon, todos os deuses e forças celestes estão contidos no homem, que é o templo vivo do Espírito Santo. A Coroa, a primeira Sephira, representa o espírito auto-existente, eterno, supremo, que não nasce e não morre, e que persiste sublimemente ao longo das eras fugazes. Chamado pelos Zoharistas de Yechidah, o “Único”, é por definição um ponto de consciência metafísica e espiritualmente sensível, indivisível e supremo, o centro do qual flui a energia e força do homem .

O homem íntegro é um espírito, um centro eterno de consciência, todos os outros princípios sendo variações de suas atividades, invólucros de sua própria substância, espiritualidade e corporeidade sendo tão-só duas facetas de uma e mesma essência. A mônada é como um espelho e, embora imutável em si mesma, reflete ao mesmo tempo a harmonia de todas as outras mônadas com as quais, no corpo de Adão Kadmon, está em conjunção indivisível .

Seus veículos diretos são os poderes de Chokmah e Binah – Sabedoria e Compreensão, os dois pólos manifestos do instrumento criador que ela emprega. E, no entanto, não são apenas instrumentos, mas, na realidade, os mais elevados aspectos da atividade do ser espiritual cuja luz consagrada é infinita e eterna. No homem essas duas Sephiroth são representadas pelos princípios chamados Chiah e Neschamah, a vontade e a alma espiritual cuja natureza é intuição. Existindo no plano da criação, refletindo as potências que emanam do Eu divino no mundo arquetípico, a vontade e a alma constituem com a mônada o imperecível homem inalterável. Não a mônada sozinha, pois como princípio é demasiadamente abstrato e espiritualmente indiferente para ser concebido como homem, mas essa trindade de Sephiroth forma coletivamente uma unidade metafísica que é o deus interior, o criador na vida individual, o artista e o poeta, o gênio cujas criações ideais são projetadas a partir de sua própria essência divina para dentro da consciência de despertar-de-um mundo de seu veículo imediato. É essa tríade celestial, a mônada com seus veículos da vontade e intuição, a qual é efetivamente um deus, uma inteligência divina na Terra para a obtenção de experiência e autoconsciência .

Quanto mais se entra em comunhão com essa entidade e quanto mais firmemente está a consciência pessoal entrincheirada em sua consciência mais terna e mais extensiva que tudo abarca, mais se compreende plenamente o sacramento da encarnação, atingindo o esplendor total daquele eterno milagre: a humanidade. No criador do universo individual realmente vivemos, nos movemos e somos. Contudo, tão absurdos são os caminhos dos homens e a tal ponto nos desviamos do essencial, que poucos de nós conscientemente compreendem nossa divindade; que nós, como Cristo, como Buda, como Krishna somos filhos de Deus, deuses em verdade .

Chiah é a vontade, o primeiro veículo criativo da mônada, e sua atividade é sabedoria e discernimento, bem como aquela força misteriosa de criatividade chamada por Blavatsky de Icchashakti. É também como o aspecto ativo do buddhi da teosofia, normalmente o escrínio da mônada, peculiarmente conectada ao esplendor da serpente enrodilhada, a Kundalini, simbolizada pela Uraeus encontrada na fronte e cobertura de cabeça de muitas divindades egípcias. Como Chiah é o poder criativo energético ativo e visto que na magia prática o bastão é o instrumento cerimonial da criação, o bastão é o símbolo verdadeiro da vontade espiritual, aquele que ereto ascende aos céus, um poder de criação vigoroso e irresistível .

Estando Neschamah em oposição a Chiah na Árvore, é feminina e passiva, representando a verdadeira visão espiritual da intuição ou imaginação. Como o cálice no altar está sempre aberta para receber os ditames e comandos emitidos de cima. A ela também se refere a imaginação espiritualizada chamada Kriyasakti, que com a vontade constitui o poder por excelência utilizado na magia. Esses três princípios, como as Sephiroth superiores, existem além do Abismo, se refletindo descendentemente no universo fenomênico da consciência humana, no qual a alma humana provida da vontade inferior, memória e imaginação se agita. Mas enquanto essas existem abaixo do Abismo, seus nôumenos existem acima do Abismo sem a limitação e restrição que a mente inferior e as condições humanas geralmente impõem a elas. Quanto mais alguém se abre para a vontade divina e a imaginação divina do deus interior, maior se torna na manifestação da divindade de si mesmo, um oráculo dos mais elevados, um veículo imaculado do mais puro fogo espiritual. Tal como um poeta ou um músico é tão-somente assim e jamais diferentemente quando a inspiração apocalíptica está sendo nele derramada de sua própria fonte divina, fato que, entretanto, na maioria dos casos é sequer reconhecido e muito menos compreendido e encorajado, um homem existe como melhor místico e maior mago na renúncia em sacrifício devoto à oblação de sua própria vontade e ego humanos, de maneira que a Vontade de seu Pai no céu possa ser consumada na Terra .

Como as Sephiroth superiores e as Essências cósmicas se projetam em formas mais densas e em matéria menos sutil, do mesmo modo atuam as Sephiroth humanas em obediência à lei do macrocosmo. Abaixo do Abismo, as cinco Sephiroth seguintes recebem o nome de Alma humana ou Ruach, um princípio composto de razão, vontade, imaginação, memória e emoção centradas na Sephira da harmonia. É este Ruach que é o veículo criado do eu real, um mecanismo, por assim dizer, criado através de longos eons de evolução, esforço e sofrimento como um recurso para obtenção de contato com o mundo externo, de modo que pela experiência assim obtida o eu possa atingir uma compreensão autoconsciente de seus próprios poderes divinos e natureza elevada. É em Ruach que a autoconsciência é centrada, embora seja verdadeira a anomalia psicológica de que esse mecanismo de percepção, desenvolvido somente como um instrumento, usurpa o poder daquele que lhe deu origem, colocando a si mesmo num pedestal como o ego, como aquele que possui poder real, discernimento, vontade e capacidade de resolver os problemas da vida. Este Ruach que chama a si mesmo de “eu”, alterando-se momentaneamente com o passar do tempo, perturbado pelo fluxo e pela onda premente de pensamentos mutáveis e emoções convulsivas, é precisamente a coisa que não é “eu”. Simplesmente um veículo, ele assumiu – como um macaco simula as ações de seu dono – a prerrogativa de uma existência independente, divorciando a si mesmo de seu próprio senhor divino, a energia que exclusivamente lhe concede vida e sustento. Em magia é esse ego empírico, esse eu inferior que tem que ser oferecido em sacrifício ao Santo Anjo Guardião. Como o conceito de sacrifício implica que aquilo a que se renuncia deva ser o melhor e maior sacrifício, um Ruach bem desenvolvido, bem treinado em todos os processos da lógica e do pensamento, bem munido de conhecimento e observação, e perfeito na medida do possível nas coisas de seu próprio domínio, constitui o maior sacrifício que o mago pode depositar sobre o altar como uma oferenda ao Supremo. “Aquele que perder sua vida a encontrará.” Normalmente, devido à natureza ilusória da mente em que está focalizado o centro da consciência, e devido à sua própria predileção por coisas inexpressivas e ilusórias, a nossa visão do eu superior está obscurecida, impedindo nosso contato mais estreito com a consciência real, permanente e imortal que realmente nos pertence. É, portanto, mediante o sacrifício do falso ego que podemos atingir a conversação espiritual e o conhecimento do Santo Anjo Guardião. Somente através da renúncia da mente e da completa destruição de sua natureza ilusória, o desenraizamento daquele elemento que concede egoísmo a uma mera combinação de percepções, tendências e memórias, pode o deus interior se manifestar e conferir a magnífica bênção do êxtase místico à alma humana. Para que não haja uma interpretação errônea relativamente às palavras destruição, renúncia e sacrifício do ego, entenda-se que o próprio princípio não é destruído, o que constitui uma impossibilidade em todos os casos. Mas o falso valor do ego, sua complacência, a ilusão de que ele apenas é real e permanente, tudo o mais sendo suas criações – isso é oferecido para a destruição. Quando a afetação e o falso egoísmo no Ruach são desenraizados, ele é um instrumento da alma superável por poucos .

A nona Sephira é o fundamento do homem inferior. É chamada de Nephesch* e é aquele princípio lunar vegetativo e instintivo que concerne unicamente ao ato de viver. Essa alma animal é a um único e mesmo tempo um princípio de energia e substância plástica, a totalidade das correntes de vitalidade bem como o molde astral invisível na superfície do qual os átomos grosseiros se arranjam como o corpo físico. Como um princípio substantivo, ele é o corpo astral, o duplo plástico construído de substância astral e que serve de base ou esboço do corpo físico. Nutrido pela luz astral, precisamente como o corpo físico é nutrido pelo produto e as energias da terra, é comparável ao que é denominado subconsciente – a despeito de não possuir nem mente nem inteligência próprias – de maneira que todo pensamento que temos, toda emoção que sentimos, toda ação que praticamos deixam uma impressão ou memória indelével sobre aquela substância, preservando assim no corpo astral o reflexo e registro automático da vida passada. Todas, ou quase todas, as características atribuídas pelos psicanalistas ao subconsciente são analogamente atribuíveis a Nephesch, ou ao menos àquele aspecto de Nephesch que diz respeito aos instintos e impulsos, e que atua como um depósito automático de sensações e impressões, tal como a expressão inconsciente coletivo pode muito bem ser aplicada ao nosso conceito de luz astral. Todos os instintos fundamentais de um homem, os impulsos radicais primários que ele vivencia, pertencem à Sephira Yesod, o fundamento do qual toda a energia vital flui .

* A nona Sephira é Yesod. (N. T.) Todos esses princípios se mantêm e operam como um organismo vivo no princípio do corpo físico, Guph, atribuído à decima e última Sephira, o Reino**, a sede de toda força e função de todos os planos sutis da natureza e de todo poder espiritual do homem; de toda verdade, e nesse sentido o corpo humano é o Templo do Espírito Santo .

** Ou seja, Malkuth. (N. T.) É com respeito a Ruach ou Manas inferior que desejo, em particular, me estender um pouco mais. Embora ele compreenda as cinco Sephiroth numeradas de quatro a oito inclusive, sua sede central é em Tiphareth, a esfera da harmonia e equilíbrio. E embora, também, a vontade e a imaginação em seus aspectos vitais estejam colocadas acima do Abismo nas Sephiroth superiores na constituição imperecível do homem interior, estão em Ruach os pálidos reflexos daqueles dois poderes que são de particular interesse para os teurgos na busca de suas artes. Um outro problema que diz respeito ao mago é o fato de ser inerente a Ruach um princípio de autocontradição que impede seu uso, independentemente de qualquer assistência superior, para a busca da verdade e da luz. Alhures eu consegui ocupar-me um pouco dessa questão da incapacidade do homem racional de transcender o mundo fenomênico, e muito mais a respeito desse tema pode ser encontrado no esplêndido tratamento de Kant das quatro antinomias da razão no Prolegômenos, em Aparência e Realidade, de Bradley; e um resumo excelente se acha no Tertium Organum de P. D. Ouspensky .

Usando exclusivamente a razão, o ser humano jamais poderá chegar a qualquer verdadeira compreensão do que ele é em si, quer dizer, nunca será capaz de compreender apenas através da mente que ele é uma entidade espiritual eterna, uma estrela brilhante que resplandece pela luz de sua própria essência no interior do corpo brilhantemente adornado de Nuit, a rainha do espaço infinito. Para conhecer realmente a si mesmo como um deus e ingressar na comunhão com o criador pessoal, o homem precisa fazer uso de outros instrumentos e outras faculdades. Jâmblico formula a lei com muita clareza em Os Mistérios, que não é só pelo raciocínio discursivo ou pela reflexão filosófica que se chega à comunhão com os deuses. É por intermédio do despertar dos poderes espirituais mais elevados por meio dos ritos teúrgicos que se efetua a consumação das longas eras. “Pois uma concepção da mente não une os teurgos aos deuses, visto que se este fosse o caso, o que impediria aqueles que filosofam teoricamente de celebrar uma união teúrgica com os deuses?... Ora, na realidade esse não é o caso. Pois a perfeita eficácia das obras inefáveis, que são divinamente executadas de uma maneira que ultrapassa toda inteligência, e o poder de símbolos inexplicáveis, que são conhecidos só dos deuses, é que concedem a união da teurgia. Conseqüentemente, nós não executamos essas coisas por meio da percepção intelectual.” Observa-se comumente que o indivíduo que é detentor apenas de escassa capacidade intelectual tem freqüentemente um maior contato com uma presença espiritual e está mais aberto a intuições do que o seu irmão mais aquinhoado intelectualmente. Paracelso nos assegurou que os grandes Mistérios podem, amiúde, ser mais bem apreendidos por uma mulher simples na sua roca do que pela erudição mais profunda. E, se a memória não me falha, em alguma parte de seus escritos mágicos Lévi também observa que com freqüência os verdadeiros magos práticos são encontrados no campo, entre as pessoas incultas, os privados de intelectualidade e sofisticação, ou simples pastores. Não é a falta de mentalidade ou intelecto que torna o camponês superior. A ausência de capacidade mental por parte do camponês o tornaria realmente inferior, visto que é obviamente a mente que distingue o homem dos animais do campo. Mas quando essa capacidade mental é corrompida pela afetação, pelo convencimento de que ela é suprema, pelo sofisma egotístico, o que é mais freqüente que o caso contrário, então a falta dela se torna relativamente uma grande virtude. Havelock Ellis cita um exemplo que corrobora tal afirmação. Ele narra que durante uma longa cavalgada pelo sertão australiano na companhia de um tranqüilo e simples fazendeiro, este subitamente lhe confessou que por vezes subia ao topo de uma colina e ficava perdido para si mesmo e para tudo enquanto permanecia contemplando o cenário que o cercava. Aqueles momentos de êxtase, de união pelo esquecimento de si mesmo com a beleza divina da natureza circundante eram inteiramente compatíveis, observa Ellis, com a perspectiva de um homem dedicado ao trabalho árduo e não sobrecarregado pela teologia, a tradição dogmática e a sofisticação dos modos civilizados .

Ora, é bem verdade que os Mistérios eram e são mais facilmente compreendidos e as intuições mais freqüentemente franqueadas entre os simples e não-intelectualizados (não digo destituídos de inteligência) porque neles não existe qualquer barreira racional aos raios telésticos de Neschamah. Entretanto, visto que Ruach foi desenvolvido em virtude de uma longa evolução, não deve ser completamente negligenciado, devendo-se, sim, encorajar seu desenvolvimento em seu próprio campo e no plano de aplicação que se coaduna com ele. E é aqui, num certo sentido, que se infiltra um certo perigo da teurgia. Não basta ao teurgo intoxicar-se de Deus e envolver-se no conhecimento e na conversação de seu Santo Anjo Guardião e das Essências dos deuses. Por mais grandioso que isso seja, ainda não é suficiente; pois dentro dele, cuja mente está desordenada, ignorante e indisciplinada, os deuses vertem seu vinho em vão. Pelo fato de se ter renunciado à razão a fim de se alcançar uma síntese mais elevada e uma espécie mais nobre de consciência, não há motivo para negligenciar a aplicação daquela faculdade às matérias pertinentes ao seu próprio lugar na natureza. Essa é a razão porque no sistema de Pitágoras a gramática, a retórica e a lógica eram ensinadas para cultivo e aprimoramento da mente, e também a matemática porque os métodos dessa ciência eram disciplinados e ordenados. A geometria, a música e a astronomia também eram ministradas, sendo desenvolvido a partir daí um sistema de símbolos. Não incorrerá em erro o moderno teurgo que seguir esse plano de treinamento intelectual. O cultivo do discernimento intelectual é uma tarefa essencial, mas feito isso, restará ainda uma passo a ser dado. “O rei-mago...”, escreve Vaughan, “...constrói sua torre de especulação pelas mãos de trabalhadores humanos até atingir o andar mais alto, e então convoca seus gênios para confeccionarem as ameias adamantinas e as coroa com o fogo das estrelas.” É pouco proveitoso contemplar as ameias da torre enquanto a própria torre for uma possibilidade. Tampouco é particularmente aconselhável construir o ápice da pirâmide antes de providenciar a base na qual a pirâmide possa se assentar. Mas uma vez esteja ali a base e a torre da razão tenha sido construída, as ameias e o ápice da experiência espiritual passam a ser uma necessidade urgente .

Assim, o objetivo supremo de todo ritual mágico é a construção do ápice da pirâmide e a instalação das ameias na torre intelectual; em outras palavras, a comunhão com o eu superior. Para todo homem é esse o mais importante passo e nenhum outro se compara a ele em importância e validade até que essa união tenha sido realizada. Traz consigo novos poderes, novas extensões da consciência e uma nova visão da vida. Arroja um raio brilhante de luz nas fases até então escuras da vida, removendo da mente as nuvens que inibem a glória da luz espiritual. Com o atingimento da visão e do perfume percebe-se, como percebeu Jacob Boehme, o campo inteiro da existência natural literalmente fulgurar com um esplendor divino incomparável, de modo que mesmo as árvores erguem seus cimos para os céus e as relvas nos prados verdes gentilmente entoam cantos de louvor e ação de graças, oferecendo hinos de glória à luz suprema .

Na plenitude do Conhecimento e Conversação do Santo Anjo Guardião, o teurgo é capaz de prever mediante a extensão da luz da razão que outros passos têm que ser dados na grande busca que não findou com a iluminação do Anjo, mas que, ele percebe, apenas começou. O universo todo é uma vasta gama de hierarquias espirituais, e o Santo Anjo Guardião se posta em apenas um degrau da escada que se estende acima e abaixo para o infinito. O teurgo percebe que ele é somente uma centelha emitida da essência espiritual de um deus, e por mais estupendamente brilhante que seu próprio anjo seja, se, como os princípios de sua arte o ensinam, esse anjo seja apenas uma centelha, quão mais glorioso é o deus que lhe deu origem? Assim, sua aspiração sob a orientação de seu anjo é sempre dirigida para cima e para a frente, promovendo sua visão interior para a Vida una, para o Ain-Sof, a fonte inominável de tudo. A natureza não procede por solavancos ou por desfiladeiros intransponíveis ou saltos. Ela progride numa marcha gradual, e essa onda de progresso estável para a frente o teurgo procura imitar. A união com o Ain-Sof não pode ser efetivada imediatamente; é mister que ele suba a escada da vida lentamente, unindo-se em cada degrau em amor e sabedoria com cada hierarquia superior, até que a Luz eterna ilimitada seja alcançada. Jâmblico concebe o mesmo procedimento nas seguintes palavras: “E quando a alma O recebeu como seu condutor, o daimon imediatamente preside à alma, concedendo completamento às suas vidas, e a prende ao corpo por ocasião de sua descida. De modo semelhante, ele governa o animal ordinário da alma e dirige sua vida peculiar e nos proporciona os princípios de todo nosso pensamento e raciocínio. Igualmente executamos tais coisas conforme ele sugere ao nosso intelecto e ele prossegue nos governando até que através da teurgia sacerdotal, obtenhamos um deus para guardião supervisor e condutor da alma; pois então o daimon cede ou entrega seu governo a uma natureza mais excelente, ou é submetido ao deus como colaborador na sua guarda, ou de alguma maneira é ministrante com ele como se fosse seu senhor. “ Não é bem que o Santo Anjo Guardião cede o governo da alma humana à presença do deus, e sim que a alma, já unida ao anjo e assim formando um ser completo, se une de maneira similar ao deus. Ou, talvez, que o anjo que tomou para si mesmo a vida da alma tenha, correspondentemente, assumido a vida ampla e superior do deus, o qual para o anjo é como o anjo era primeiramente para a alma. Prosseguindo, Jâmblico acrescenta: “Ademais, depois dela (quer dizer, a teurgia) ter unido a alma às diversas partes do universo e aos poderes divinos totais que por ela passam, então guia a alma e a deposita no íntegro demiurgo, fazendo-a ser independente de toda matéria e estar co-unida com a razão eterna somente. Mas o que quero dizer é que ela liga peculiarmente a alma com o deus autogerado e automovido e com os poderes intelectuais que tudo sustentam e tudo embelezam do deus, e igualmente com aquele poder dele que eleva à verdade, e com seus poderes de auto-aperfeiçoamento, de eficiência e outros poderes demiúrgicos, de maneira que a alma teúrgica se torna perfeitamente estabelecida nas energias e intelecções demiúrgicas desses poderes. E então a teurgia também insere a alma no deus demiúrgico integral, findando aqui com os egípcios o assunto da elevação da alma à divindade pelo sacerdócio.” Dificilmente se poderia descobrir uma visão mais grandiosa e mais completa. A teurgia se propõe tomar um homem, despojá-lo gradualmente, por assim dizer, de tudo que não seja essencial e penetrar, finalmente, na alma interior. Então essa alma interior é exaltada e guindada, sempre de maneira gradual, até que ela encontre seu Senhor soberano, o Amado .

Guindando-a cada vez mais alto, embora ainda humano num corpo físico de carne e sangue, o homem é elevado além dos céus, ingressando na união e comunhão espirituais com os poderes que são o universo, as fontes que proporcionam vida e sustentação ao conjunto da existência manifesta. Ultrapassando-os, a alma plana e ascende, transcendendo mesmo aos deuses que surgiram ao primeiro rubor da aurora dourada, até que com um êxtase incomparável de silêncio, ela retorna à Grande Fonte de Tudo .




O Poder da Imaginação

A magia superior, como foi demonstrado, tem como um dos seus objetivos uma comunhão com o divino tanto aqui quanto no porvir, uma união para ser obtida não por meio de uma mera doutrina e especulações intelectuais estéreis, mas sim pelo exercício de outras faculdades e poderes mais espirituais em ritos e cerimônias. Por divino os teurgos reconheciam um princípio eterno espiritualmente dinâmico, e sua manifestação refrata em seres cuja consciência, individual e separadamente, são de um grau de espiritualidade tão grandioso e sublime a ponto de realmente merecerem o nome de deuses. Essa é, obviamente, a visão objetiva, e eu me referirei aos deuses neste capítulo somente desse ponto de vista, deixando ao leitor a liberdade de interpretá-los de modo diverso, se assim o quiserem .

Uma advertência deve, entretanto, ser feita aqui. Não se deve pensar que os teurgos e os filósofos divinos eram politeístas em qualquer sentido comum. Uma tal conclusão estaria, de fato, bem distante do que é realmente verdadeiro. Mesmo para os egípcios, que possuíam um panteão repleto de hierarquias e deuses celestiais e que são acusados tão freqüentemente de serem primitiva e grosseiramente politeístas, E. A. Wallis Budge profere uma defesa, pois embora os não-instruídos apreciassem uma pluralidade de deuses, “os sacerdotes e as classes instruídas que eram capazes de ler e compreender os livros adotaram a concepção do Deus único, o criador de todos os seres no céu e na terra, os quais, por falta de uma palavra melhor, eram chamados de deuses” .

Essa é a posição do ponto de vista empregado na magia. Primariamente, há apenas uma Vida onipresente que penetra todo o cosmos. Permeia e vibra em todo canto e porção do espaço, sustentando a vida individual de todo ser que existe em qualquer um dos mundos infinitos. Desconhecido em si mesmo, visto que é onipresente e ilimitado em toda direção e exaltado além do alcance intelectual, jamais poderia ser compreendido pela mente humana .

Mas é preciso que se compreenda que a partir Dele procedem todos os deuses, todas as almas humanas e espíritos e toda coisa concebível que é. De um certo modo, incompreensível ao nosso entendimento finito, a energia negativa e passiva homogeneamente espalhada através do espaço se tornou vivificada, formando ela mesma centros ativos primários que, com o desenrolar de eons de tempo, expandiu-se e gradualmente evoluiu para o cosmos. Com esses centros, as primeiras manifestações, brotou da homogeneidade latente um grupo heterogêneo de entidades divinas ou forças inteligentes cósmicas que se tornaram os arquitetos e construtores do universo. Da própria essência espiritual individual deles, hierarquias menores nasceram, as quais, por sua vez, emanaram ou criaram a partir de si mesmas ainda outros grupos até que finalmente as almas humanas vieram a ser a descendência refletida dos deuses abençoados. Essas forças inteligentes receberam nomes variados, deuses, daimons, essências universais, dhyan chohans, eons, teletarchae e muitos outros. Todos implicam a mesma idéia fundamental de centros conscientes (embora não necessariamente autoconscientes, intelectuais) de força, sabedoria e inteligência que emanam ou criam, de uma maneira ou de outra, a partir de si mesmos o universo finito manifesto .

Essas forças cósmicas ou deuses eram estudados pelos teurgos egípcios com muito rigor, e seus atributos cuidadosamente observados e registrados sob a forma de parábolas, alegorias, mitos e lendas. Mesmo nos pictogramas convencionais de suas divindades, cada um dos emblemas tem uma importante significação que é ao mesmo tempo profunda nas suas implicações e simplesmente eloqüente na descrição das características de determinado deus .

Por exemplo, uma pena azul levada à mão de um dos deuses, ou encimando a cobertura de cabeça, implicava a verdade, firmeza e retidão, enquanto um cetro tinha a finalidade de transmitir a idéia de que um certo deus era detentor de suprema autoridade e soberania. Cada símbolo e sigillum portados pelo deus em alguma parte de sua pessoa constituíam uma pista para a natureza inerente a ele. Os mitos e as lendas relativos aos deuses passados à posteridade pelos sacerdotes egípcios não eram meras invenções ociosas produzidas por homens ignorantes, embora imaginativos, que não tinham coisa melhor para fazer, ocupando-se com a narração de histórias e a urdidura de ficções agradáveis ou desagradáveis baseadas em invencionice. Pelo contrário, longe de puerilidade, em cada uma dessas lendas e descrições pictóricas dos deuses está oculto um patrimônio de conhecimento transcendental para todo aquele que for capaz de percebê-lo. Relativamente a um povo tão perspicaz como o egípcio, um povo que desenvolveu uma civilização resistente cujos restos permanecem como nobres monumentos até os dias de hoje, dificilmente se poderia acreditar que seus mitos não passem de contos interessantes, como se os deuses reconhecidos por eles não tivessem existido ou tenham sido, no máximo, fantasias infantis. Jamais se deve considerar que o panteão egípcio, particularmente os deuses associados aos cultos teúrgicos, era em qualquer grau mítico no sentido de que era o resultado do jogo divertido de uma fértil faculdade inventiva. O homem primitivo não “criou” os deuses, como pensam tantos aprendizes modernos de teologia comparativa, destituídos de toda simpatia e gênio religioso. O que ele realmente fez, talvez inconscientemente, foi aplicar nomes (e mesmo esses nomes eram carregados de significado) e faculdades quase humanas a esses “poderes” ou grandes forças da natureza que observava com tanta precisão, e que ele acreditava serem, com justeza suficiente, manifestações ou símbolos do divino. Todos os pensamentos e idéias, todo o grande saber e conhecimento dos egípcios encontraram sua expressão pictórica na alegoria, na parábola e nas pinturas. Assim nós os recebemos hoje. Descartar seu sistema bem desenvolvido de lenda e mitologia instrutivas como absurdo e infantil só indica a postura de uma inteligência superficial e pueril .

Pode-se demonstrar que basta um pouco de estudo para revelar uma profundidade de discernimento que nunca se compreendeu antes existir. Além disso, as vinhetas e os símbolos pintados dos deuses com os quais os egípcios estavam habituados a decorar seus papiros, pelo mesmo motivo não são meramente desenhos infantis descritivos de vagas opiniões intelectuais .

Cada deus na mitologia egípcia tinha uma precisa e bem-definida função a executar no cosmos – criadora, preservadora ou destruidora, de acordo com o caso – e tal função fora confirmada com precisão pela observação, tanto secular quanto teúrgica, levada a cabo por um longo período de tempo, e as qualidades e natureza dos deuses eram expressas em gravuras. Que os egípcios concebiam que Ra, o deus-Sol, realmente existia naquela forma artística convencional em que o pintavam, não estou disposto a acreditar; tampouco que achavam que o sol à meianoite assumia a forma de um escaravelho. Em que realmente acreditavam é que o escaravelho, como símbolo, exprimia de várias maneiras sutis a natureza do sol após o poente. A vaca, analogamente, era um símbolo de fertilidade exuberante, a íbis, um símbolo de sabedoria e suprema inteligência. O falcão, devido à sua capacidade de permanecer equilibrado no firmamento, constituía um símbolo perfeito do eu divino que, desapegado de todas as coisas da terra e da forma, as observa com o olho da equanimidade. O assunto todo deve ser cuidadosamente estudado, e se a metade do zelo e atenção que o homem comum dedica ao seu jornal no dia-a-dia forem dedicados pelo leitor ao estudo dos deuses, muito conhecimento útil de profunda importância para a magia será obtido .

A evolução e o desenvolvimento do cosmos, espirituais e físicos, foram primeiramente registrados pelos filósofos em mudanças geométricas da forma. Toda cosmogonia esotérica usava um círculo, um ponto, um triângulo, um cubo e assim por diante. Esses mais tarde foram incorporados numa forma geométrica simples que é chamada na Cabala de Árvore da Vida .

Aplicou-se a cada desenvolvimento cósmico um número, e existindo como o significado específico do número ou a fase particular de evolução, havia a atividade de um deus ou de uma hierarquia de deuses. Assim, na Cabala temos dez emanações principais. A cada uma dessas um número é atribuído e em cada número, portanto, está encerrado um deus. Há dez séries de hierarquias de forças cósmicas, espirituais, dinâmicas e inteligentes, cujas operações em concerto resultam na formação do universo físico. A tradição dos teurgos as classifica numa escala descendente de pureza e espiritualidade, dos deuses aos arcanjos, inteligências e espíritos .

Considerando-se que em magia o objetivo é obter de uma maneira ou de outra uma união espiritual estreita e duradoura com essas divindades cósmicas, que são as realidades essenciais e as fontes de sustentação e vitalidade, é aconselhável dar uma breve descrição delas tal como entendidas pelos egípcios. Na tabela que se segue elas são classificadas de acordo com suas hierarquias e escala de graduação, e a interpretação será auxiliada se o leitor se recordar das afirmações feitas num capítulo anterior a respeito das Sephiroth .

Com relação a cada um desses deuses, apresentarei uma curta descrição baseada em textos de egiptologia, deixando a critério do leitor a interpretação que desejar. A natureza dos arcanjos, inteligências e espíritos cujos nomes são indicados na tabela, será revelada pelos atributos da divindade regente .

Correspondendo ao desenvolvimento cósmico representado entre os cabalistas por Kether, a Coroa, temos a divindade egípcia Ptah, sendo que o significado de seu nome é o franqueador. Para os egiptólogos isso parece ter sido um obstáculo em suas classificações, pois no caso de se supor que ele estava associado com a abertura do dia mediante o sol, é suficientemente singular o fato de nunca formar um dos importantes grupos dos deuses solares nos textos hieráticos. Em O livro dos mortos seus atributos não guardam a menor relação com Ra, Khephra e Tum, os deuses ligados ao nascer do sol, ao pôr-do-sol e ao seu obscurecimento à meia-noite. Dentro do delineamento da filosofia mágica, contudo, não é, em absoluto, difícil compreender em que sentido Ptah é chamado de O Franqueador. Visto que seu aparecimento inaugurou ou deu início a um ciclo de manifestação cósmica ele é assim chamado, e é ele o Logos oculto, a essência metafísica central da qual tudo se originou. Essa interpretação parece ser corroborada por várias ilustrações nas quais ele é mostrado confeccionando o ovo do mundo num torno de oleiro. Budge, confirmando, também salienta que a raiz etimológica de Ptah é cognata com o significado de uma outra palavra que significa esculpir ou talhar. Essa raiz cognata posiciona o deus de maneira excelente, como o faz a palavra artífice que aparece nos textos, pois não só abre Ptah o ciclo evolucionário como é também ele quem, emergindo das trevas triplamente desconhecidas, é o Grande Arquiteto do Universo, dando, juntamente com Thoth e Ísis, nascimento às coisas manifestas. Dizia-se dele que era “o grandioso deus que veio a ser no tempo mais remoto” e para indicar de modo conclusivo sua natureza ele também era considerado o “pai dos princípios e criador do(s) ovo(s) do Sol e da Lua” .

________________________________________________________________________ _____________ Número Sephira Planeta Deus Arcanjo Coro de anjos Inteligência Espírito do planeta do planeta ________________________________________________________________________ _____________ 1 Kether – Ptah, Metraton Chayos – - Amon haQadosh 2 Chokmah – Tahuti Ratziel Ophanim – - 3 Binah Saturno Ísis Tsafkiel Arilim Agiel Zaziel 4 Chesed Júpiter Maat Tsadkiel Chashmalim Iophiel Hasmiel 5 Geburah Marte Hórus Kamael Seraphim Graphiel Bartzbael 6 Tiphareth Sol Ra, Raphiel Malachim Nachiel Soras Osíris 7 Netzach Vênus Hathor Haniel Elohim Hagiel Kadmiel 8 Hod Mercúrio Anúbis Michael Beni Elohim Tiriel Taphthartharath 9 Yesod Lua Shu, Gabriel Querubim Tarshishim ve-Ad Hasmodai Pasht Ruach Shechalim 10 Malkuth – Seb Zaziel Ishim – - ________________________________________________________________________ ______________ Na mesma categoria que Ptah, como uma correspondência da mesma série de idéias filosóficas ligadas à Coroa, existe o deus Amon ou Amen. Ele era o poder criativo invisível que era a fonte de toda a vida no céu, na terra e no mundo inferior, finalmente fazendo a si mesmo manifesto em Ra, o deus-Sol. O próprio nome indica aquele que é oculto ou dissimulado, e nos tempos de Ptolomeu essa expressão associou-se a uma palavra que significa subsistir e também ser permanente. Num dos documentos sacerdotais o deus é saudado em tais termos de modo a nos fornecer uma descrição narrativa de sua real natureza. “A alma santa que veio a ser no princípio... a primeira substância divina que deu origem às duas outras substâncias divinas; o ser através do qual todo outro deus existe.” Há, além disso, uma considerável quantidade de evidências que nos levam a crer que Osíris poderia ser atribuído a essa mesma categoria. O prospecto do Museu Britânico do Livro dos mortos afirma que uma princesa egípcia podia saudar Amen-Ra e Osíris não como dois deuses distintos, mas como dois aspectos do mesmo deus. Ela acreditava que o poder criador “oculto” de que era investido Amen era apenas uma outra forma do mesmo poder tipificado por Osíris. Com toda certeza, entretanto, Osíris tem que ser saudado como a encarnação humana do poder criador, a assunção em humanidade do deus mais supremo, um avatar, se assim se preferir, do Espírito supremo. Todas as razões levam a crer que seja este o ponto de vista acertado a respeito de Osíris, pois ele também permaneceu para a renovação do nascimento e uma ressurreição espiritual, tipificando o Adepto iluminado, purificado pela provação e pelo sofrimento; alguém que morreu e, depois de descer ao mundo inferior, miraculosamente ressuscitou glorificado para reinar eternamente nos céus. Na medida em que este é o caso, ele será considerado como um tipo pertencente a Tiphareth. Há, contudo, um aspecto dele, Asar-Un-Nefer, Osíris feito beneficente ou perfeito em cuja forma deífica ele é uma representação mas adequada daquela fase de Kether que é o aspecto mais real e mais profundo da individualidade .

A natureza de Thoth ou Tahuti e a descrição das características que os egípcios atribuíam a ele não deixa o menor motivo para dúvida quanto à sua imediata atribuição a Chokmah. Ele é sabedoria e o deus da sabedoria, e como observado por Budge, é a personificação da inteligência de todo o conjunto dos deuses. O nome Tahuti parece ser derivado daquele que se supõe ser o nome mais antigo da íbis, que é uma ave que sugere pela sua própria postura meditação e conseqüentemente sabedoria. Há uma excelente descrição dos atributos de Thoth no livro de Budge Os deuses dos egípcios que eu cito a seguir: “Em primeiro lugar, julgava-se ser ele tanto o coração quanto a língua de Ra, quer dizer, ele era a razão e os poderes mentais do deus, e o meio pelo qual a vontade dele era traduzida em discurso; num certo aspecto ele era o próprio discurso e em tempos posteriores ele pode muito bem ter representado, como afirmou o dr. Birch, o Logos de Platão. Em toda lenda na qual Thoth desempenha um papel de destaque, percebemos que é ele quem profere a palavra que resulta na concretização dos desejos de Ra, e é evidente que uma vez tivesse ele pronunciado a palavra de comando, esse comando não poderia deixar de ser cumprido por um meio ou outro .

Ele proferiu as palavras que tiveram como resultado a criação dos céus e da Terra... Seu conhecimento e seus poderes de cálculo mediram os céus e planejaram a Terra e tudo o que se acha neles; sua vontade e seu poder mantiveram as forças no céu e na Terra em equilíbrio; foi sua habilidade na matemática celeste que possibilitou o uso correto das leis sobre as quais os fundamentos e a manutenção do universo se apóiam; foi ele quem dirigiu os movimentos dos corpos celestes e seus tempos e estações”. Ele era, em suma, a personificação da mente de Deus ou o Logos, e como o poder todo penetrante, governante e dirigente do céu, ele configura um aspecto da religião egípcia “que é tão sublime quanto a crença na ressurreição dos mortos num corpo espiritual, e quanto a doutrina da vida eterna” .

Palas Atena é a deusa grega da sabedoria que, segundo o mito, emergiu totalmente armada do cérebro de seu poderoso pai, Zeus. Urano, o deus dos céus estrelados, poderia também ser colocado nessa mesma categoria com Thoth e Atena, pois deve ser mencionado que tradicionalmente Chokmah é também chamada de a esfera das estrelas fixas .

Ísis, correspondendo a Binah, era considerada a fonte do universo, a primeira progênie das eras, governante do céu, do mar, e de todas as coisas na Terra, e era a Mãe superior que o conjunto do mundo antigo venerava sob diversos nomes. Foi tão vinculada à rainha do céu como a compassiva e onipotente senhora de ambos os mundos, que ela atraiu para si uma grande multidão de devotos e sinceros adeptos. Resumindo concisamente Budge no que concerne a Ísis, podemos afirmar que ela era considerada a grandiosa e benevolente Mãe cuja influência e amor dominavam a totalidade do céu, da Terra e a morada dos mortos, sendo ela a personificação do grande poder reprodutivo passivo que concebia imaculadamente e gerava toda criatura e coisa vivas. O que gerava ela protegia, cuidava, alimentava e nutria; empregava sua própria vida usando seu poder de modo amável e bem-sucedido, não apenas criando coisas novas como também restaurando aquelas que estavam mortas. Ela era, além de todas essas coisas, o tipo mais elevado de esposa e mãe fiel e amorosa. Era nessa qualificação e capacidade que os egípcios a honravam e veneravam mais. Conforme a lenda, agora familiar, Osíris, seu marido, foi assassinado graças à astúcia de seu irmão Tífon ou Set (emblemático do aspecto destrutivo da natureza) e seu corpo forçado para dentro de uma caixa que, após ter sido lançada ao Nilo, foi conduzida ao mar. Depois de uma longa e cansativa busca, Ísis a encontrou e a escondeu num sítio que julgava seguro, onde, contudo, foi descoberta por Tífon, o qual malignamente esquartejou o cadáver. Os incidentes da busca que ela empreendeu do corpo mutilado e a concepção e nascimento de seu filho Hórus, impressionavam vigorosamente a imaginação dos egípcios, de modo particular quando a lenda narra a ajuda na busca dada por Thoth, o deus da sabedoria e da magia, o qual graças à sua habilidade nas artes teúrgicas foi capaz de comunicar a ela os processos e palavras de poder que temporariamente ressuscitaram Osíris e o capacitaram a gerar nela o filho-deus Hórus .

Além do acima exposto há a lenda obscura relativa à parte da ajuda segundo a qual Ísis paradoxalmente fez concessões a Tífon na batalha travada por Hórus que, enraivecido pela aparente traição de sua mãe, matou-a e a decapitou. Entretanto, imediatamente Thoth transformou a cabeça de Ísis na de uma vaca, a qual ele prendeu ao corpo dela. De maneira própria, essa lenda indica a relação que existe entre Ísis, a Mãe e a deusa-vaca Hathor, muitos dos atributos desta parecendo coincidir em muitos aspectos significativos com os atributos de Ísis. A Árvore da Vida, prenunciando diagramaticamente o processo de evolução, deve ser de algum auxílio para a compreensão da idéia subjacente a esta lenda, como deve ser também a lenda grega referente a Cronos, que é também uma atribuição de Binah. Nessa lenda descrevese Cronos destituindo seu pai Urano do governo do mundo, do qual Cronos é destituído, por sua vez, pelo seu próprio filho, Zeus. Blavatsky dá uma explicação sugestiva dessa parábola em A doutrina secreta. Grosso modo, sugere que Cronos significa duração eterna, sem princípio e sem fim, além do tempo e espaço divididos. Diz-se alegoricamente que esses deuses que nasceram para atuar no espaço e no tempo, ou seja, atravessar o círculo do domínio espiritual para o plano terrestre, se rebelaram contra Cronos e combateram o (então) único deus vivo e supremo. Por sua vez, quando Cronos é representado mutilando seu pai, o significado da mutilação é simples. O tempo absoluto é feito para se tornar o finito e a condição; uma porção é furtada do todo, mostrando assim que Cronos, o pai dos deuses, foi transformado da duração eterna para um período limitado de tempo. A mesma interpretação pode, igualmente, ser aplicada à decapitação de Ísis, resultando na transição dela como uma deusa criadora superior a um plano terrestre inferior .

Maat, a deusa atribuída à esfera de Chesed, é no antigo sistema egípcio estreitamente aliada a Thoth, tão estreitamente, de fato, a ponto de poder ser quase considerada como sua contraparte feminina. O tipo de símbolo dessa deusa é a pena de avestruz, simples ou dupla, que está sempre presa à sua cobertura de cabeça ou segura em sua mão. Primordialmente indicando “aquilo que é reto”, a palavra maat era usada num sentido físico e moral, de maneira que finalmente passou a significar “correto, verdadeiro, probo, justo”. Essa deusa incorpora então as idéias de lei física e moral, ordem, verdade e regularidade cósmica. Pode-se observar que muitos desses atributos de Maat são, de forma semelhante, significados atribuídos pelos astrólogos ao planeta Júpiter, que constitui uma das correspondências da mesma Sephira a que Maat é atribuída. Como um poder moral, admitiu-se ser Maat a maior das deusas, e ela chegou a ser a senhora do salão do juízo no Tuat ou mundo inferior, onde a pesagem do coração ocorria na presença de Osíris. Geralmente representada como uma mulher sentada ou de pé, ela segura numa das mãos o cetro da soberania e na outra o ankh, o símbolo da vida. Algumas figuras a mostram munida de um par de asas, cada uma presa a um braço, e em alguns poucos casos ela é retratada portando a pena da verdade sobre sua cabeça, ereta, sem qualquer cobertura de cabeça .

O Júpiter romano era originalmente uma divindade elementar, sendo venerada como o deus da chuva, tempestade, trovão e relâmpago. O senhor do céu e o príncipe da luz, ele era o deus que previa o futuro, e os acontecimentos que previa ocorriam como resultado de sua vontade. Zeus é seu equivalente grego e ambos são atribuídos a Chesed .

A tradução da quinta Sephira, Geburah como “força” associada à sua correspondência astrológica de Marte, de maneira sumamente apropriada resume a característica de Hórus. Ele é o deus egípcio da força detentor de muitas formas, das quais duas são as mais importantes: Hoor-paar-Kraat e Heru-Khuti. Como o primeiro, o grego Harpócrates, ele é representado usando uma mecha de cabelo, o símbolo da juventude radiante, do lado direito de sua cabeça; às vezes, também, ele usa a coroa tripla com plumas e discos como cobertura de cabeça, e ocasionalmente o disco apenas com plumas. Na maioria dos casos ele é retratado com seu dedo indicador erguido até seus lábios em sinal de silêncio .

Como Heru-Khuti, “Hórus dos dois horizontes”, é usualmente representado como um falcão, usando um disco solar envolvido por uma serpente Uraeus, ou uma coroa tripla ou ateph. Era estreitamente vinculado ao deus-Sol e representava o disco solar em seu percurso diário através dos céus do nascer ao pôr-do-sol. Mas é como Hórus, o filho de Ísis e Osíris, que ele se liga a Geburah, em seu aspecto do vingador do assassinato e da violação dos restos mortais de seu pai. Representado como um falcão, era capaz, das alturas do céu, de ver os inimigos de seu pai, que ele perseguia, assim diz a lenda, sob a forma de um grande disco alado. Com tal fúria e vigor atacava esses inimigos que todos estes perdiam seus sentidos, não podendo nem ver com seus olhos nem ouvir com seus ouvidos. As assertivas relativas a Hórus contidas no prospecto do Museu Britânico são tão interessantes nesse sentido que as transcrevemos a seguir: “Quando Hórus atingiu a maturidade ele se pôs a caminho para achar Set e travar guerra contra o assassino de seu pai. Finalmente eles se encontraram e uma luta brutal se seguiu. Embora Set fosse derrotado, antes de ser por fim arremessado ao solo, conseguiu arrancar o olho direito de Hórus e guardá-lo. Mesmo após essa luta, Set pôde perseguir Ísis, estando Hórus impotente para impedi-lo até que Thoth fez Set entregar-lhe o olho direito de Hórus que ele arrebatara. Thoth então levou o olho a Hórus e o recolocou em sua face, devolvendo-lhe a visão cuspindo sobre ele. Hórus, a seguir, procurou o corpo de Osíris a fim de restituir-lhe a vida, e quando o achou desatou as bandagens para que Osíris pudesse mover seus membros e ressuscitar. Sob a direção de Thoth, Hórus recitou uma série de fórmulas à medida que apresentava oferendas a Osíris ...Abraçou Osíris e assim transferiu a ele seu ka, isto é, sua própria personalidade e virilidade vivas, e lhe deu seu olho, aquele que Thoth resgatara de Set e recolocara em sua face. Logo que Osíris comeu o olho de Hórus.. .

recuperou com isso o completo uso de todas as suas faculdades mentais que a morte suspendera. Prontamente ergueu-se de seu esquife e se tornou o Senhor dos Mortos e Rei do mundo inferior.” Marte e Ares são os equivalentes grego e romano, sendo venerados como os deuses da guerra e das batalhas, prosseguindo com a idéia essencial de Geburah, força, vigor e energia .

É relativamente a Tiphareth e aos deuses a ela associados que desejo me alongar um pouco mais porquanto são eles que mais do que quaisquer outros concernem à aspiração do mago. Como Tiphareth é a esfera da beleza e da harmonia, bem como a “casa da alma”, os deuses tradicionalmente associados a essa Sephira são, de modo peculiar, simbolizadores e representativos da alma glorificada, ou o Santo Anjo Guardião. Dionísio, Osíris, Mitra e muitos outros são todos tipos de imortalidade, beleza e equilíbrio. Maurice Maeterlinck sintetizou esplendidamente toda a posição filosófica a este respeito. “Dionísio” diz ele, “...é Osíris, Krishna, Buda; ele é todas as encarnações divinas; é o deus que desce ao homem, ou melhor, manifesta a si mesmo no homem; ele é morte, temporária e ilusória, e renascimento, real e imortal; é a união temporária com o divino que não é senão o prelúdio da união final, o ciclo infindável do eterno tornar-se.” As divindades típicas de Tiphareth, por conseguinte, representam a alma iluminada, exaltada mediante o sofrimento, aprimorada mediante a provação e ressurgida em glória e triunfo. Pode-se supor que Osíris seja distintamente representante dessas divindades rejuvenescentes, e há evidências favoráveis ao fato de desde o início Osíris ter sido para os egípcios o homem-deus que sofreu e morreu, e ressuscitou para ser rei do domínio espiritual. Os egípcios acreditavam que podiam herdar a vida eterna como ele fizera visto que o que fora feito pelos deuses para ele, fora feito para eles, o que supria a base racional para a execução do chamado ritual dramático. Celebravam rituais de maneira a poderem compelir ou persuadir Osíris e os deuses que haviam produzido sua ressurreição (a saber, Thoth, “o senhor das palavras divinas, o escriba dos deuses”, Ísis, que empregava as palavras mágicas que Thoth lhe concedera e Hórus e os demais deuses que realizaram os ritos que produziram a ressurreição de Osíris) a atuar a seu favor tal como tinham atuado a favor do deus .

A veneração de Mitra e Dionísio emerge da mesma raiz básica. Liga-se, também, ao triunfo espiritual do homem-deus e o retorno do deus-Sol que, como um símbolo da alma aperfeiçoada, entrou na consciência humana do ser humano, e tendo iluminado a mente e redimido as trevas de sua vida, torna o espírito aprisionado leve e jubiloso. Krishna, igualmente, é um símbolo do homem-deus, pois nele espírito e matéria foram equilibrados, e se convertendo num avatar, a morada terrestre do espírito universal, ele resumiu numa personalidade humana as qualidades duplas de um deus, imortal e estático, juntamente com todas as características típicas da espécie humana .

O Sol é também atribuído a Tiphareth. Assim, Ra – incluindo Tum e Kephra, o sol poente e da meia-noite – pertence a essa série de deuses. A concepção do sol era tão santa para o egípcios que eles concederam a Ra os atributos de luz e vida divinas; ele era a personificação do correto, da verdade, bondade e, conseqüentemente, o destruidor das trevas, da noite, da perversidade e do mal. Suas relações com Osíris, que era parte deus, parte homem e a causa e tipo de imortalidade para a humanidade, eram de imediato aquelas de um deus, um pai e um igual. Era em Ra que algumas das mais nobres concepções religiosas dos egípcios se concentravam e de deus solar, o doador do sustento e da vitalidade, tanto físicos quanto espirituais, aos habitantes da Terra, ele se tornou identificado a Amon, o poder criador oculto que dera origem a todo o universo manifesto .

A natureza de Osíris é bem conhecida nas lendas. Ele ensinou como usar o cereal e a cultivar a uva aos homens, sendo que nessa última fase é claramente identificado com Dionísio- Baco, o deus da vitalidade transbordante e dos êxtases para os gregos. Com o tempo Osíris passou a ser considerado o rei dos mortos e o guia das almas saindo das trevas da terra para o domínio venturoso onde, conforme sua teologia, as almas gozariam da visão plena da divindade, sem restrições. Aquele que partiu desta vida, se a vida fora bem vivida, é de uma maneira mística identificado com Osíris. Na vida do deus ele também não desempenha papel sem significação. Dionísio era venerado na Grécia como o poder que produzia folhas, flores e frutos nas árvores. A vinha, com seus cachos de uvas das quais procedia o vinho que alegrava os corações dos homens, era seu maior encargo, mas de modo algum o único. Como deus das árvores e da vinha, ele é uma divindade afável e gentil, enobrecendo a humanidade e a vida dessa, comprazendo-se na paz e na fartura, proporcionando riqueza e exuberância aos seus adoradores. Embora na lenda fustigado pela tempestade, torturado e dilacerado por seus perseguidores, o deus portador do tirso foge dos inimigos que o perseguem e se ergue mais uma vez para vida nova e atividade renovada. Com o nome de Iacos, o irmão ou noivo de Perséfone, teve sua participação com ela e Deméter nos ritos de Elêusis. Pode ser interessante salientar de passagem que Perséfone é uma atribuição do Reino, denominado no Zohar a Virgem, a Noiva do Filho que está em Tiphareth. Foi esse benevolente jovem Dionísio, a divindade sofredora e transformada, de imediato evanescente e perpétuo, morrendo e irrompendo novamente para uma nova vida espiritual que foi a principal divindade dos poetas e místicos da seita chamada órfica, em cujos mistérios a alma e seu destino quando libertada do corpo se tornou o objeto preponderante .

((ilustr. HATHOR, a Afrodite egípcia)) Um deus similar, expressando a mesma idéia de equilíbrio espiritual e transformação, um deus que possui características quase idênticas às de Dionísio, era Mitra, o deus persa da luz, a luz do corpo e a luz da alma. Tipificava a força brilhante do Sol que, infalivelmente, conquista dia após dia e ano após ano os poderes das trevas e seus terrores. Mitra, comumente venerado numa caverna que, originalmente talvez representando o recesso sob a terra onde se supunha que o sol à noite se ocultava, passou a significar para os adoradores devotos o abismo da encarnação dentro do qual a alma necessita descer. E então, como o próprio deus, eles poderiam ascender, purificados por muitas provas e sofrimentos com glória e exaltação .

A deusa Hathor, bem como Afrodite e Deméter, estão associadas à Sephira Netzach, Vitória. Nos remotos tempos do Egito, Hathor era tida como uma deusa cósmica e acreditavase terem elas sido, como a deusa-vaca, a personificação do poder gerador da natureza que se mantinha perpetuamente concebendo e criando, produzindo e conservando todas as coisas. Ela era a “mãe de seu pai e a filha de seu filho”, o que de chofre recorda a fórmula tradicional do Tetragrammaton. Parece ter havido muita conexão entre ela e Ísis e Nuit, a rainha e personificação do espaço. Já mencionamos a lenda segundo a qual Hórus matava Ísis cuja cabeça é transformada por Thoth na cabeça de uma vaca, a cabeça de Hathor. Isso era sugerido para inferir a transformação evolucionária das energias geradoras cósmicas de Ísis de acima do Abismo para uma esfera mais mundana de manifestação. Há várias formas que a retratam, a mais freqüente sendo a de uma vaca. Às vezes, Hathor é representada como uma mulher com um par de cornos dentro dos quais repousa o disco solar, outras com uma tiara de abutre à frente da qual está a serpente Uraeus encimada por cinco outras Uraei. Na parte posterior de seu pescoço é usualmente encontrado um símbolo que significa alegria e prazer, e às suas costas existe também uma espécie de xairel com um desenho linear, e o conjunto de seu corpo é por vezes marcado por cruzes, o que pretende provavelmente representar estrelas .

Nessa última retratação, ela indubitavelmente representa Nuit de cujos seios, se diz, o leite das estrelas flui. Ela representava, como Hathor, não apenas o que era verdadeiro como também o que era bom, e tudo o que é mais excelente na mulher como esposa, mãe e filha. Era também a deusa patrona de todos os cantores, dançarinos e foliões de todos os tipos, das mulheres belas e do amor, dos artistas e das obras de arte. É nessa associação que ela é comparável com Afrodite, a dama do amor. Como equivalente a Deméter, ela significa a fecundidade aparentemente inesgotável, a geração de plantas e animais sucedendo-se entre si na terra, à terra tendo que retornar. Era sem dúvida como a deusa fértil da vegetação e agricultura que ela era venerada, particularmente porque os antigos consideravam o cultivo e o desenvolvimento como um ato de amor .

Hermes e Anúbis correspondem a Hod, a Glória. Hermes é um deus intelectual e representa num grau muito inferior as qualidades de Thoth. Enquanto esse último é uma divindade cósmica e transcendental, Hermes é um deus terrestre, descrito como inventor da astrologia e da geometria, da medicina e da botânica, organizador do governo e instaurador da veneração dos deuses; inventou algarismos e as letra do alfabeto e as artes da leitura, escrita e oratória em todos seus ramos. Era também encarregado de conduzir as sombras dos mortos do mundo superior para o inferior. Aqui ele é associado na idéia com Anúbis ou Anpu, o deus de cabeça de chacal dos egípcios, havendo também a combinação grega desses dois nomes em Hermanúbis. A cabeça que constituiu o tipo e símbolo de Anúbis foi a de chacal. Isso parece provar, de acordo com Budge, que nos tempos primitivos Anúbis era meramente o deus-chacal associado aos mortos, simplesmente porque o chacal era geralmente visto rondando pelos túmulos. Mas ele pode ser, adicionalmente, concebido como o deus cinocéfalo. O cão é vigia e guardião, função na qual Anúbis é retratado no Tuat. Por analogia, representa a razão no homem, que é também a guardiã da consciência humana, vigiando impressões e reações relativamente ao mundo exterior. Segundo a tradição, Anúbis foi o deus que embalsamou o corpo de Osíris e que o envolveu com as faixas de linho feitas por Ísis. Com base na leitura das várias passagens de O livro dos mortos, fica evidente que Anúbis era um grande deus no mundo inferior, sendo que sua posição e importância parecem ter sido tão grandes quanto as de Osíris. No cena do julgamento no Tuat, Anúbis, o vigia, parece atuar para Osíris, com o qual está intimamente vinculado, pois compete a ele a tarefa de examinar o fiel da grande balança e zelar para que o eixo esteja exatamente horizontal .

A deusa Bast ou Pasht, que é a divindade que corresponde a Yesod, o Fundamento, é geralmente representada sob a forma de uma mulher com cabeça de gato. Por vezes, tem também a cabeça de uma leoa encimada por uma serpente, segurando na mão direita um sistro e na esquerda uma égide encimada pela cabeça ou de um gato ou de uma leoa. Ela era uma personificação da lua, especialmente na medida em que Khensu, seu filho, era também um deus lunar. Com a cabeça de uma leoa, usualmente pintada de verde, simbolizava a luz do sol, mas quando representada com cabeça de gato, sua ligação com a lua é indiscutível. Vinculada à esfera do Fundamento*, expressando o aspecto duplo da luz astral, não era apenas Bast, mas Shu. Mudança e estabilidade são as duas características paradoxais daquela luz, Bast exprimindo o aspecto lunar de mudança e fluxo perpétuo, a idéia de estabilidade e de firme fundamento das coisas sendo expressa sob a forma de Shu. Às vezes ele é visto agarrando um escorpião, uma serpente ou um cetro cuja extremidade superior é a cabeça de um falcão, e era adorado como o deus do espaço que existia entre a Terra e o céu. Era ele quem sustentava o céu com suas mãos, uma o suportando no lugar do nascer do sol, a outra no lugar do pôr-dosol .

Foi identificado com o princípio vital das coisas, que está de acordo com a teoria implícita da luz astra,l que é o veículo direto dos cinco pranas ou correntes vitais. Em sua capacidade de sustentador do céu há um mito interessante. Quando o grande deus Ra governava os deuses e os homens, a humanidade na Terra começou a proferir palavras de sedição contra ele, fazendo com que ele se determinasse a destruí-la. Convocando vários deuses à conferência, por sugestão de Nuit ele incumbiu Hathor da execução da destruição universal dos homens .

Logo depois disso, ele se aborreceu da própria Terra, e tendo Nuit assumido a forma de uma vaca, Ra sentou-se sobre seu dorso. Não demorou para que a vaca principiasse a cambalear e tremer devido à elevação acima da Terra, e assim foi ordenado que Shu a sustentasse e a erguesse no céu. Quando Shu tomou sua posição sob a vaca e sustinha seu corpo, os céus acima e a Terra abaixo vieram a ser e as quatro pernas da vaca se tornaram os quatro suportes dos céus, os quatro pontos cardeais. E assim teve o deus Seb existência independente .

* Isto é, Yesod. (N. T.) Seb era o deus da terra e a terra formava seu corpo e era chamada de Casa de Seb, tal como o ar era chamado de Casa de Shu e os céus de Casa de Ra. Seb é representado como um homem que usa a coroa Ateph e às vezes a forma de um ganso é acrescida .

Correspondendo a Malkuth, o Reino, Seb representa a fertilidade da superfície da terra e na mitologia do mundo inferior ele desempenhava um papel proeminente, retendo aqueles entre os mortos que não eram capazes de passar a Tuat. A deusa grega da terra similar ao egípcio Seb era Perséfone, conhecida entre os romanos pelo nome de Prosérpina .

A história de sua violação por Hades e seu aprisionamento forçado sob a terra é demasiado conhecida para que precisemos mencioná-la aqui. Alguns autores a interpretam como a extinção no corpo e o subseqüente renascimento na alma, enquanto que outros vêem em Prosérpina um simples mito do culto à vegetação, a deusa sendo o grão empregado como semente que permanece oculto no solo parte do ano, e quando ele retorna à sua mãe Deméter, é como o cereal nascendo da terra, o sustento e alimento do homem e dos animais .

Embora com isso devamos concluir o exame dos deuses, na medida em que é possível abordar esse assunto aqui, nunca é demais repetir que essa matéria sumamente complexa deve ser muito bem estudada em seus vários aspectos e vinculações filosóficas antes de se empreender o trabalho prático de invocação. Antes que possa haver qualquer grau de sucesso efetivo na invocação e ao estabelecer firmemente uma união e comunhão com os deuses, deverá o teurgo estar bem familiarizado, ao menos teoricamente, com a natureza dos deuses, que princípios ou funções eles desempenham na economia natural e universal e o que eles são realmente. Todas as lendas e mitos dos povos antigos vinculadas aos deuses revelam um relato valioso a respeito da verdadeira natureza deles, se os examinarmos com um pouco de discernimento acompanhado de uma compreensão dos fundamentos que formam a base da Cabala. O teurgo deve se esforçar para compreender na medida do possível porque se adotam as formas de animais como máscaras dos deuses, e visto que existem muitas interpretações a respeito, deverá ser feita uma síntese daquelas que parecem as mais prováveis e mais sensatas .

E devo acrescentar a título de sugestão que um estudo das representações pictóricas dos deuses se mostrará bastante recompensador. É aconselhável que o aprendizinteressado não deixe de visitar as galerias de egiptologia do Museu Britânico ou qualquer outro museu, familiarizando-se inteiramente com as formas artísticas convencionais pelas quais os deuses são representados .



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