Na Biblioteca Beinecke
reservada para os livros mais raros de Yale encontra-se o mais enigmático
manuscrito do mundo. Classificado como Manuscrito 408, trata-se de um livro com
aproximadamente nove polegadas de comprimento e 235 páginas (embora algumas
páginas tenham se perdido). A escrita usada no documento é única e suas páginas
são ilustradas com uma infinidade de gravuras e diagramas: plantas, mulheres
nuas em banhos públicos, mapas astronomicos, fórmulas químicas e outros temas
curiosos.
O Manuscrito Voynich
tornou-se o foco de intensa discussão acadêmica desde sua descoberta, e alguns
dos melhores criptógrafos do mundo vem tentado inutilmente quebrar seu código
secreto há décadas. Ao longo de sua história, "o mais misterioso
manuscrito do mundo" teve sua origem muito debatida entre estudiosos. A
verdade é que até hoje ninguém sabe precisar quem teria escrito o Manscrito,
qual o idioma usado e quais os segredos que ele guarda.
O Manuscrito nos Tempos
Medievais
A primeira menção conhecida
ao Manuscrito Voynich surgiu na Corte de Imperador Rudolph II do Sacro Império
Romano Germânico. Rudolph (1552-1612) era um governante fraco que manteve o
poder apenas até os arquiduques Hapsburgos retirarem seu apoio e o substituir
pelo seu irmão Mathias. Para Rudolph assuntos de Estado eram muito menos
importantes que ciência e alquimia. Sua corte em Praga se tornou a capital para
homens letrados, estudiosos - incluíndo o astrônomo Johannes Kepler - e charlatães
de toda a Europa. Todos buscavam o favor do Imperador que cobria seus
cientistas favoritos com riqueza.
Foi nessa época que Rudolph
II adquiriu o Mauscrito Voynich, comprado de um vendedor desconhecido pelo
montante de 600 ducados - uma quantia inacreditável para um livro que ninguém
era capaz de ler. Fontes afirmam que o Imperador acreditava que o livro fora
escrito por Roger Bacon (c. 1220-1292), um famoso monge inglês.
Roger Bacon era um grande
pensador e passou a maior parte de sua vida estudando a filosofia, ciência e
alquimia. Ele fez relativamente poucas descobertas científicas (embora ele
tenha investigado a natureza da luz e proposto o uso de pólvora para a guerra),
mas é melhor conhecido por suas idéias inovadoras na criação de um procedimento
de experimento como forma de descoberta.
Alguns historiadores afirmam
que Bacon além de ser um alquimista era também um mago, envolvido com magia e
evocação de anjos. Seus pontos de vista incomuns e rivalidade com seus colegas
acadêmicos lhe renderam muitos inimigos e no final da vida ele foi preso por
razões desconhecidas.
Entre seus trabalhos mais
importantes despontam Opus Major, Opus Minus e Opus Tertius que são
consideradas obras essenciais na história das ciências. Muitos estudiosos
afirmam entretanto que o Manuscrito Voynich não foi escrito por Bacon.
Não há menção nenhuma a esse
livro em sua biografia e uma obra desse tamanho sem dúvida chamaria a atenção.
Bacon tinha conhecimento de criptografia - aliás como boa parte dos estudiosos
da época - mas se o documento foi escrito com um alfabeto codificado, trata-se
de algo muito mais complexo do que qualquer código secreto empregado no Século
XIII.
Alguns apontam para uma
inscrição no livro que identificaria Bacon como o verdadeiro autor, mas tudo
indica que esse trecho tenha sido o trabalho inteligente de um falsário. Um
livro creditado a Bacon, afinal de contas, teria grande valor. Outras
evidências contidas nas págians do manuscrito, tais como diagramas do que
parecem ser plantas do Novo Mundo, sugerem que o Manuscrito Voynich não
pertence a época de Roger Bacon.
Se o Mauscrito não é um
trabalho de Roger Bacon, então quem é o responsável por ele? É possível que o
responsável seja outro indivíduo extremamente enigmático, o médico e mago da
Rainha Elizabeth I, John Dee (1527-1608).
Entre 1584 e 1588, Dee
visitou Praga várias vezes como convidado de Rudolph II. Sabe-se que Dee tinha
muito interesse em Criptografia, e possuía uma grande coleção de livros que
pertenceram a Roger Bacon em sua biblioteca. Além disso, durante sua estadia em
Praga, Dee mencionou em um de seus diários o pagamento de 630 ducados,
aproximadamente o mesmo valor desembolsado por Rudolph II para comprar o livro.
Alguns também afirmam que a
caligrafia usada para numerar as páginas do livro é muito semelhante a letra de
Dee. Então seria possível que o manuscrito tivesse chegado às mãos do Imperador
através de Dee.
Após seu surgimento em
Praga, o manuscrito se tornou conhecido na corte. Testes revelaram que a
assinatura de Jacobus de Tepenecz, um botânico e alquimista à serviço de
Rudolph II, está na primeira página do livro. Acredita-se que o Imperador tenha
emprestado o livro a Tepenecz por volta de 1610 para que ele tentasse traduzir
suas páginas e que por ocasião da morte de Rudolph o livro tenha ficado com o
botânico.
Ele então passou por várias
pessoas, até ser deixado como herança para um filósofo italiano chamado Joannes
Marcus Marci (1595-1667). Pouco antes de morrer, Marci enviou o manuscrito para
seu amigo Athanasius Kircher (1602-1680). Kircher foi o criador da
"Lanterna Mágica" (um tipo de ancestral do projetor de slides) e era
considerado um expert em criptografia. Ele tentou sem sucesso decodificar o
Manuscrito Voynich e antes de sua morte o livro desapareceu sem deixar
vestígios.
A Redescoberta
Em 1912, um negociante de
livros raros chamado Wilfrid M. Voynich encontrou o manuscrito oculto no fundo
de um antigo baú em Frascati, Itália. O livro estava junto com outros volumes
que traziam o carimbo de bibliotecas particulares de casas nobres italianas.
Como ele apareceu na Itália ninguém sabe ao certo. Voynich já havia ouvido
falar a respeito do Manuscrito e ansioso por desvendar o mistério enviou cópias
do alfabeto misterioso para experts em criptografia. A maioria afirmou que
seria capaz de quebrar o código rapidamente, mas nenhum deles conseguiu obter
sucesso.
A primeira das muitas
"soluções" para o mistério apareceu em 1921, quando o Professor
William Romaine Newbold da Universidade da Pennsylvania alegou ter decifrado o
enigma. O primeiro estágio para desvendar o código, de acordo com Newbold, era
compreender que cada letra do misterioso alfabeto era uma corruptela de um alfabeto
grego antigo. Para decifrar o texto, era necessário submeter as palavras a um
complicado processo envolvendo duplicar letras, usar pares de palavras para
criar novos símbolos, alterar a fonética e re-arranjar as letras em uma
sequência específica (entendeu? pois é, nem eu!).
Os estudiosos concordaram
que era um processo extremamente complicado e lançaram dúvidas sobre sua
validade. Newbold anunciou que o Manuscrito Voynich havia realmente sido
escrito por Roger Bacon (como supunham alguns) e que o conteúdo era incrível.
Segundo a versão de Newbold, Bacon tinha vasto conhecimento de fatos
científicos que apenas seriam descobertos séculos depois, tais como a
existência da Nebulosa espiralada de Andromeda, a construção de lentes para
observação astronômica e o processo de criação de ligas metálicas. A descoberta
deveria ser uma das mais significativas da história e colocaria Bacon entre os
maiores cientistas de sua época, talvez de todos os tempos.
Newbold morreu em 1927, e
seu trabalho "O Código de Roger Bacon" foi publicado no ano seguinte.
Após a euforia, muitos estudiosos começaram a expressar suas dúvidas a respeito
do processo empregado por Newbold.
O maior crítico da teoria
era John M. Manly, que demoliu as alegações de Newbold em um artigo escrito em
1931 e publicado no Speculum, uma respeitada revista sobre estudos medievais.
Manly começou apontando que o suposto alfabeto grego pouco conhecido era na
verdade o resultado do clareamento natural da tinta que estava se apagando.
Ele comentou que mesmo se o
alfabeto tivesse existido, o sistema de Newbold de re-arranjar as letras
poderia gerar centenas de traduções possíveis de cada trecho. Além disso, os
textos traduzidos por Newbold continham uma série de erros históricos, e muitos
deles pareciam ser produto da imaginação do professor.
Com a publicação desse
artigo bombástico, o patrocínio ao programa que visava decifrar o manuscrito
desapareceu. Com o passar dos anos, novas teorias emergiram. Joseph Feely
apresentou sua "decifração" mediante análise das gravuras e uso de
latim abreviado.
Leonell Strong acreditava
que o livro era um tratado sobre ginecologia escrito em um alfabeto inglês
arcaico. Robert Brumbaugh afirmava ter solucionado o enigma sobre as legendas
em algumas ilustrações, mas não conseguiu traduzir o texto principal, o que o
levou a concluir que o livro era escrito com mais de um código criptográfico.
Um dos mais recentes exemplos de esforço para decifrar o livro foi feito por
Leo Levitov que afirmava ser o livro um Manual Litúrgico usado pelos Cátaros -
um secto religioso cristão considerado herético na Idade Média. Levitov
acreditava que o livro havia sido escrito em um alfabeto secreto usado pelos
patriarcas cátaros que haviam sido exterminados durante a perseguição
religiosa. No final das contas, nenhuma das soluções foi capaz de solucionar o
mistério.
Voynich faleceu em 1930, e
sua viúva manteve o livro até 1960. Por algum tempo ele ficou em poder de A. M.
Nill, um sócio de Voynich que o vendeu em 1961 para o negociador de livros Hans
P. Kraus. Kraus tentou vender o livro por uma quantia astronômica, mas ninguém
teve interesse de adquiri-lo. Frustrado ele resolveu doar o volume misterioso
para a Biblioteca Beinecke de Yale.
O manuscrito ainda atrai
muita atenção do público. Mesmo depois de tantos anos de esforços por
criptógrafos, não é possível sequer afirmar qual o idioma usado em suas
páginas. Alguns acreditam que a maior parte dos textos são compostos de um
alfabeto falso e que apenas alguns trechos realmente poderiam ser decifrados.
Outros defendem que o livro foi escrito por alguém tentando criar um idioma
artificial, ou quem sabe ele tenha sido concebido como um elaborado trabalho de
arte.
Muitos especialistas em
criptografia que lidaram com o Manuscrito Voynich acreditam que não existe uma
tradução coerente, entretanto novas gerações ainda tentarão decifrar os
mistérios antes dese darem por vencidos.
Colin Wilson, O Manuscrito
Voynich e o Necronomicon
Antes de tudo é preciso
deixar uma coisa bem clara. O Necronomicon nunca existiu, trata-se de uma obra
de ficção inventada por H.P. Lovecraft. Mas é impressionante quantas pessoas
acreditam (ou pior) querem acreditar que ele existiu - ou ainda existe.
O Documento Voynich por
algum tempo ofereceu a esses defensores de teorias conspiratórias um alento e
uma possibilidade de que o famoso livro blasfemo seria na verdade o próprio
Manuscrito Voynich escrito em um idioma secreto para preservar assim os seus
segredos profundos.
O elo entre esses dois
misteriosos tomos - Voynich e o Necronomicon - foi levantado primeiro pelo
escritor britânico e membro do Círculo lovecraftiano Colin Wilson. Wilson
tratou a ficção de Lovecraft de forma bem crítica em seu livro "The
Strength to Dream", e escreveu seu primeiro conto envolvendo o Mythos,
"The Mind Parasites", em resposta a um desafio de August Derleth para
que ele escrevesse no estilo consagrado por Lovecraft.
Wilson escreveu
relativamente poucas estórias sobre o tema, mas muitos fãs consideram seus
contos clássicos do gênero. A primeira vez em que Wilson mencionou o Manuscrito
Voynich foi no conto "The Return of the Lloigor", publicado pela
editora Arkham House, na antologia "Tales of the Cthulhu Mythos".
O protagonista de
"Return" é o Professor Paul Lang da Universidade da Virginia. No
conto, um conhecido do Professor lhe envia uma fotocópia do Manuscrito Voynich,
que estava em poder da Universidade de Pennsylvania (na época ele estava sendo
examinado por Newbold). Enquanto Lang está fazendo uma cópia, ele conhece um
fotógrafo profissional, que está trabalhando em uma série de fotografias
coloridas do mauscrito. O professor percebe que existem linhas desbotadas no
manuscrito original que aparecem nas fotografias, preenchendo estas linhas ele
consegue formar palavras que tornam possível decifrar o manuscrito. Ele logo
descobre que o livro foi escrito em árabe - ou melhor em Grego, usando o
alfabeto árabe. Quando finalmente termina o trabalho, conclui que o manuscrito
foi escrito por um certo Martin Gardner e é a compilação de outro manuscrito
mais antigo identificado como "um completo relato científico do
universo" ou "um documento medieval a respeito de magia, ciência e
especulação pré-Copérnica".
O Professor Lang não tem
nenhum conhecimento a respeito do Necronomicon, e é surpreendido ao saber que
Lovecraft supostamente o inventou. Ele percebe que há elementos no Manuscrito
Voynich que se referem a ficção inventada por Lovecraft e Arthur Machen (um
autor galês de fantasia que influenciou Lovecraft), e desenvolve uma teoria de
que os escritores teriam lido uma outra cópia do mauscrito em suas carreiras.
Ele é incapaz de determinar quando Lovecraft teve acesso ao texto, mas descobre
que Machen pode ter lido um texto semelhante em suas pesquisas em Lyon ou
Paris, onde tal documento estaria em poder de um Círculo de Satanistas.
Lang decide procurar pelo
Manuscrito em Melincourt, cidade natal de Arthur Machen. Após chegar ao
interior do País de Gales, o professor acaba se envolvendo com uma conspiração
engendrada por entidades inumanas conhecidas como lloigor. O que levou Colin
Wilson a relacionar os dois livros? A melhor teoria é que em algum momento da
história do Necronomicon e do Manuscrito Voynich, ambos estiveram ligados a
John Dee.
Na vida real, John Dee pode
ter sido o responsável por vender o Manuscrito ao Imperador Rudolph II, e na
ficção lovecraftiana, Dee é o responsável pela tradução do Necronomicon para o
idioma inglês. A única falha nessa hipótese é que Wilson não menciona Dee em momento
algum de seu conto.
Wilson aborda novamente o
Manuscrito Voynich no final de sua novela "The Philosopher's Stone".
Ao longo da trama, Howard Lester e seu colega Sir Henry Littleway aprendem a
usar suas faculdades psíquicas para evitar os efeitos do tempo e desenvolver
capacidades mentais notáveis. A medida que eles obtém êxito em suas
experiências, eles passam a ser perseguidos por uma série de calamidades. Os
dois quase morrem em um acidente automobilístico, o irmão de Littleway, é
acusado de agredir uma mulher e estudiosos que eram amigáveis se tornam hostis.
Lester eventualmente percebe
que esses acontecimentos estão ligados ao controle mental exercido por
entidades conhecidas como Os Grandes Antigos. Eles então começam a pesquisar a
respeito desses seres, e durante sua busca pela mitologia do Mythos ficam
sabendo a respeito de Lovecraft e Necronomicon.
Certa noite, Lester descobre
que Roger Littleway estabeleceu contato mental com os Antigos. Osdois ficam
sabendo através desse contato que um volume verdadeiro do Necronomicon está
escondido na Biblioteca da Universidade da Pennsylvania sob um nome falso.
Quando eles chegam ao lugar encontram o sobrinho do Professor Paul Lang (do
conto "Retun of the Lloigor") que revela ser o Manuscrito uma versão
do Necronomicon. Seguindo as indicações de Lang, eles começam a traduzir o
livro. O mais tenebroso dos aspectos do Manuscrito Voynich, entretanto não é o
texto em si. Ao manipular o livro, Lester e Littleway descobrem que
desenvolveram psicometria - a faculdade psíquica que permite ler a história de
objetos pela manipulação dos mesmos. A leitura do Manuscrito faz com que eles
terminem por quase despertar um dos poderosos Antigos que estava hibernando.
O boato sobre a suposta
conexão entre "O Manuscrito Voynich e o Necronomicon" pode ser
atribuído a dois fatores. A ficção de Colin Wilson; "Return" apareceu
primeiro em Tales of the Cthulhu Mythos, talvez a mais importante antologia
escrita sobre o Mythos de Cthulhu. E ao estilo de Wilson, que consegue a
façanha de misturar fato e ficção de tal forma que é difícil separar um do
outro. Lovecraft também dominava essa técnica, mas Wilson consegue inserir
elementos tão verossímeis que a realidade e ficção se fundem nas suas tramas.
Um leitor desinformado ao
saber da existência do Manuscrito Voynich pode supor que o Necronomicon também
existe. Wilson parecia estar ciente do que havia criado. Certa vez, ele
comentou que recebia frequentemente cartas de leitores que afirmavam possuir
exemplares verdadeiros do Necronomicon ou que haviam quebrado o código Voynich
e descoberto que o autor estava certo. Percebendo o boato que havia iniciado,
Wilson pediu que seus editores publicassem um comentário nas edições em que
suas estórias fossem publicadas, informando aos leitorres que o Manuscrito
Voynich real jamais havia sido traduzido.
De pouco adiantou. Ficção se
misturou de tal maneira à realidade que muitos hoje em dia acreditam não apenas
que o Necronomicon existe, mas que o Manuscrito Voynich é verdadeiramente uma
cópia da "Bíblia do Mythos". Teoristas da conspiração afirmam ainda
que especialistas em criptografia conseguiram traduzir o Manuscrito na íntegra,
mas que o segredo contido em suas páginas é tão tenebroso, tão assustador que
os acadêmicos julgaram necessário censurar sua divulgação para o público em
geral.
A verdade provavelmente só
saberemos se um dia o Manuscrito Voynich for realmente decodificado.
Infelizmente até o momento não houve progresso nesse sentido e o Manuscrito
permance como um dos grandes enigmas do mundo.
E-mail: apocalipsedosanjos@hotmail.com
Twitter: @Noitedoanjo
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