Por Texto Eduardo Szklarz,
de Buenos Aires
A maçonaria já foi acusada de tudo: fazer rituais
sinistros, promover orgias, querer dominar o mundo... Até de estar por trás dos
assassinatos de Jack, o Estripador. Muita gente acredita que a organizaçãocontrola
governos e que seus integrantes usam cargos públicos para se ajudar mutuamente.
Os maçons,
no entanto, garantem que quase tudo isso é besteira. Eles não passariam de um
grupo filosófico, filantrópico e progressista. Reconhecem que ajudam uns aos
outros, mas que o dever de auxiliar um irmão está sempre sujeito à obrigação
maior de cumprir a lei. Afinal, qual é a verdade sobre essasociedade
secreta?
Para começar, a maçonaria não
é tão secreta assim. Em vários países, inclusive no Brasil, todo mundo sabe
onde ficam as lojas maçônicas e quem são seus membros. Maçons publicam
revistas e divulgam suas idéias em sites da internet. E, se antes
mantinham seus templos imersos numa aura de mistério, hoje permitem visitas.
Nossa reportagem entrou no templo da Grande Loja da Argentina de Maçons Livres e Aceitos, situada
na rua Perón, 1242, em Buenos Aires. Durante 3 horas, conversamos com diversos
integrantes da maçonaria – e muitos nos entregaram cartões em que se
identificavam como membros da ordem.
A julgar por iniciativas
desse tipo, parece que a organização nunca
foi tão aberta como hoje. Será que o grande segredo da maçonaria é
não ter segredo algum, como dizem alguns irmãos? Pode ser. Mas o certo é que
eles ainda mantêm sessões a portas fechadas. Angel Jorge Clavero, grão-mestre
da Grande Loja da Argentina, tem uma explicação para isso. “A maçonaria não
é secreta, mas discreta. As cerimônias que realizamos aqui só interessam a nós,
são reservadas aos iniciados.” Para Clavero, é exatamente o que ocorre em qualquer
reunião, seja de condomínio ou da diretoria de uma multinacional. “Se você não
é dono de um apartamento no prédio ou diretor da empresa, não vão deixá-lo
entrar.
VÁRIAS MAÇONARIAS
O argumento do grão-mestre
faz sentido. Por outro lado, diretores de empresas não costumam se reunir para
debater filosofia, vestidos com aventais coloridos e rodeados de objetos
simbólicos. Além disso, nem você nem seus vizinhos de apartamento precisam
jurar segredo absoluto sobre o que foi discutido na reunião de condomínio. Na maçonaria,
é assim que as coisas funcionam. Para entender os porquês disso tudo, o
primeiro passo é levar em conta que não existe uma só, mas várias maçonarias.
A organização é
uma rede global, hoje composta de cerca de 6 milhões de integrantes espalhados
pelos 5 continentes. Os rituais variam muito, de um país para outro. Cada loja tem autonomia, mesmo que
pertença a uma federação nacional ou continental. Algumas usam a Bíblia em suas
reuniões. Outras, a Torá ou o Alcorão. Essa diversidade permite que os símbolos
maçônicos tenham várias interpretações. E foi graças a ela que personalidades
extraordinariamente distintas já vestiram o avental da irmandade: de Mozart a
dom Pedro 1º, de Winston Churchill a Hugo Chávez (leia mais no quadro das págs.
14 e 15).
Mas as maçonarias também têm
muito em comum. Todas elas, independentemente do país, defendem os ideais de
liberdade, igualdade e fraternidade. Veneram o Grande Arquiteto do Universo –
como se referem a Deus. E exigem requisitos dos iniciados, que, depois de
passar por uma cerimônia de iniciação, vão galgando postos e
acumulando mais e mais conhecimentos. Embora proíbam falar de política e
religião dentro do templo, os maçons continuam
tendo o poder e a influência de sempre. A mesma que eles usaram para orquestrar
capítulos decisivos da história,
como a independência do Brasil, dos EUA e de quase todos os países da América
Latina.
A origem da maçonaria é
um mistério até para os maçons.
Uma das teorias diz que ela surgiu há cerca de 3 mil anos, durante a construção
do Templo de Salomão, em Jerusalém. O rei israelita teria recrutado o arquiteto
Hiram Abif, mestre na arte de talhar pedras, que ensinava os mistérios do
ofício apenas a pedreiros escolhidos a dedo. No fim da obra, 3 artesãos
exigiram que ele lhes contasse os segredos. Abif recusou-se e acabou sendo
assassinado por isso.
O martírio do arquiteto
jamais foi comprovado. Mesmo assim, significa muito para os maçons.
Em The Meaning of Masonry (“O Significado da Maçonaria”,
inédito no Brasil), o maçom britânico W.L. Wilmshurst interpreta a morte do
mestre como um desastre moral para a humanidade – como se a chama do
conhecimento tivesse sido apagada. “Agora, neste mundo escuro, ainda temos os 5
sentidos e a razão, que vão nos proporcionar os segredos substitutos”, escreve
Wilmshurst. A maçonaria, portanto, seria um sistema filosófico que discute
o Universo e nosso lugar dentro dele. Quanto mais o maçomsobe
os degraus da confraria, mais perto ele chega da Luz – ou seja, o pensamento
racional.
Outra tese afirma que os maçons são
herdeiros dos templários, os cavaleiros que viajaram à Terra Santa no século 12
para defender os cristãos, mas acabaram perseguidos pela Igreja. E existe
também quem defenda uma origem ainda mais remota, no Egito dos faraós ou na
Grécia antiga. Para a maior parte dos historiadores , contudo, foi na Europa
medieval que a maçonaria assentou suas bases. Ela teria começado na
forma de sindicatos de pedreiros (masons, em inglês), que construíam monumentos
para religiosos e monarcas – entre eles a Ponte de Londres e a Catedral de
Westminster, também na capital da Inglaterra.
“Os pedreiros ingleses
almoçavam e deixavam suas ferramentas em pequenas casas chamadas lodges
[lojas]”, explica o jornalista americano H. Paul Jeffers no livro Freemasons (“Maçons”,
sem tradução para o português). Assim como Abif, eles mantinham em segredo seus
métodos de construção, pois eram a garantia de melhores salários.
Esses sindicatos floresceram
até o século 16, quando os pedreiros tiveram uma surpresa. Abalada pela Reforma
Protestante e pela rixa com o rei Henrique 8º, a Igreja parou de construir
catedrais. Resultado: contratos para novas obras minguaram. “A maçonaria entrou
em crise e sofreu uma grande mudança. Tudo que era ligado à prática do ofício
na pedra passou a ser alegórico, e as ferramentas viraram símbolos na
contemplação dos mistérios da vida”, diz Jeffers. A ordem deixou de ser
“operativa” para ser “especulativa”. E as lojas maçônicas passaram a
interpretar esses símbolos por meio de conceitos morais, éticos e filosóficos.
A sociedade foi aberta a outros profissionais, como os cientistas, e deixou-se
influenciar até pela alquimia.
Em 1717, 4 lojas de Londres
se uniram na Grande Loja Unida da Inglaterra, que marcou o início damaçonaria atual.
Em 1723, o maçom James Anderson compilou a tradição oral
da irmandade numa constituição, cujos lemas eram ciência, justiça e trabalho.
Quem não gostou de nada disso foi a Igreja, sentindo seu poder ameaçado por um
grupo que rejeitava dogmas, aceitava seguidores de outras crenças e era contra
a influência da religião na vida pública. Pior: discutia seus assuntos em
segredo, o que só aumentava a desconfiança da Santa Sé. Em 1738, o papa
Clemente 12 emitiu uma bula em que excomungava a maçonaria –
ratificada em 1983 pelo cardeal Joseph Ratzinger, atual papa Bento 16.
O tiro saiu pela culatra.
Quanto mais a maçonaria era difamada, mais ela atraía revolucionários
– entre eles, o libertador sul-americano Simon Bolívar e o herói da
independência americana Benjamin Franklin. A Revolução Francesa também assumiu
os valores maçônicos, mas não com a intensidade que muitos imaginam. “Do mesmo
jeito que alguns revolucionários franceses eram maçons,
como Jean-Paul Marat, alguns opositores da revolução também eram”, diz o
historiador inglês Jasper Ridley no livro The Freemasons (“Os Maçons”,
inédito no Brasil). No século 20, a Igreja continuaria no encalço damaçonaria.
CÓDIGOS SECRETOS
A história de
perseguição explica por que os maçons desenvolveram
códigos para se reconhecer no meio de outras pessoas. No aperto de mão, por
exemplo, um tocaria com o indicador no pulso do outro. Ao se abraçar, eles
colocariam um braço por cima, outro por baixo, em X, e bateriam 3 vezes nas
costas. Mais uma forma de comunicação em lugares públicos seria ficar em
posição ereta e com wos pés em forma de esquadro.
Em seus textos, os maçons abreviam
as palavras usando 3 pontos em forma de delta. Exemplos: “Ir” é irmão, “Loj” é
loja. Hoje, boa parte desses segredos já virou de domínio público. Tanto que o
termo usado pelos maçons para se referir a Deus – Jahbulon, resultado da
união dos nomes Javé, Baal e Osíris – aparece em quase 30 mil páginas na
internet.
Para ingressar na maçonaria,
é necessário ter ficha limpa, ser maior de idade e acreditar em um deus, seja
ele qual for. O candidato precisa ser convidado por um maçom e
só se torna aprendiz após ser aceito numa cerimônia de
iniciação no templo, onde se compromete a não revelar o que escutar ali dentro.
“Nossa meta é formar homens
melhores, ensiná-los a se libertar dos dogmas e a pensar por si mesmos”, diz o
grão-mestre argentino Jorge Clavero. “A maçonaria não
é como um partido político, que fixa posições. Ela atua na sociedade por meio
de seus homens, silenciosamente. O iniciado faz sua obra entre a família, os
amigos e em seu local de trabalho.”
Degraus do conhecimento
No Brasil, o rito mais
praticado é o escocês, mas o de York prevalece no resto do mundo
RITO ESCOCÊS
1º grau - Aprendiz iniciado
2º grau - Companheiro de
ofício
3º grau - Mestre maçom
4º grau - Mestre secreto
5º grau - Mestre perfeito
6º grau - Secretário íntimo
7º grau - Preboste e juiz
8º grau - Intendente dos
edifícios
9º grau - Mestre eleito dos
9
10º grau - Mestre eleito dos
15
11º grau - Cavaleiro eleito
dos 12
12º grau - Grão-mestre
arquiteto
13º grau - Mestre do 9º arco
14º grau - Grão-eleito
perfeito e sublime
15º grau - Cavaleiro do
Oriente
16º grau - Príncipe de
Jerusalém
17º grau - Cavaleiro do
Oriente e do Ocidente
18º grau - Cavaleiro
Rosacruz
19º grau - Grão-pontífice
20º grau - Mestre ad Vitam
21º grau - Patriarca
noaquita
22º grau - Príncipe do
Líbano
23º grau - Chefe do
tabernáculo
24º grau - Príncipe do
tabernáculo
25º grau - Cavaleiro da
serpente de bronze
26º grau - Príncipe da mercê
27º grau - Comendador do
templo
28º grau - Cavaleiro do Sol
29º grau - Cavaleiro de
Santo André
30º grau - Cavaleiro kadosh
31º grau - Grão-inspetor
inquisidor comendador
32º grau - Sublime príncipe
do real segredo
33º grau - Soberano
grão-inspetor geral
RITO DE YORK
Mestre de marca
Past master (virtual)
Mui excelente mestre
Maçom do
real arco
Mestre real
Mestre eleito
Mestre superexcelente
Ordem da Cruz Vermelha
Ordem dos Cavaleiros de
Malta
Ordem dos Cavaleiros
Templários
Rumo ao topo da pirâmide
A escalada na hierarquia
pode levar uma vida inteira
A estrutura da maçonaria tem
a forma de duas escadas que começam e terminam juntas. O 1º passo do candidato
é se tornar aprendiz. O 2º nível é o de companheiro de ofício e o 3º, de mestre maçom. Os
3 degraus iniciais são comuns ao rito escocês e ao de York. Depois disso, quem
quiser subir na hierarquia deve escolher entre os dois sistemas ritualísticos.
No escocês são 33 graus, enquanto o de York tem apenas 10. A história dos
ritos também é diferente: para muitos estudiosos da maçonaria,
o ritual escocês
foi fundado na França por imigrantes que fugiam de perseguições. Já o de York surgiu
na cidade inglesa de mesmo nome, onde teria sido aberta a primeira loja
maçônica da Grã-Bretanha. No Brasil, o rito mais praticado é o escocês, mas
estima-se que 85% dos maçons em
todo o mundo pratiquem o de York.Alguns personagens importantes da tradição maçônica
aparecem sobre os degraus desta ilustração, publicada pela primeira na revista
americana Life, em 1956. Entre eles, o rei Salomão (indicando o caminho na base
do rito escocês), que construiu o 1º Templo de Jerusalém, e George Washington
(no 20º grau do mesmo rito, mestre ad Vitam), primeiro presidente dos EUA. Sob
o arco estão as organizações irmãs da maçonaria.
Mestres maçons são aceitos na Grotto e na Altos Cedros do
Líbano. Meninas que têm um maçom na
família podem ingressar na Filhas de Jó ou na Ordem das Garotas do Arco-Íris;
mulheres, na Estrela do Oriente; e rapazes, na DeMolay. Apenas maçons de
grau 32 e Cavaleiros Templários podem entrar para o Shrine. E a mulher de um
Shrine pode ser uma Filha do Nilo.
Até na lua!
De presidente a astronauta,
maçons que entraram para a história
GEORGE
WASHINGTON - 1732-1799
Foi o primeiro e único a
exercer ao mesmo tempo os cargos de mestre de uma loja e presidente dos EUA. Um
terço dos presidentes americanos foram da maçonaria.
AMADEUS
MOZART - 1756-1791
Um dos maiores compositores
de todos os tempos, ingressou na maçonaria a
convite de Joseph Haydn, outro gênio da música, membro de uma loja em Viena.
DOM
PEDRO 1º - 1798-1834
Chegou ao posto de
grão-mestre no Brasil. Deixou a maçonaria assim
que foi declarado imperador e proibiu os trabalhos da organização no
país, temendo que seu poder fosse contestado.
WINSTON
CHURCHILL - 1874-1965
Primeiro-ministro britânico
durante a 2ª Guerra Mundial, foi iniciado em 1901, aos 26 anos de idade, na
loja maçônica Studholme, em Londres, quando já era parlamentar.
HUGO
CHÁVEZ - 1954-
Iniciado por um
guarda-costas, segue os passos de outros maçons históricos
que ele adora citar em discursos, entre eles: Simon Bolívar, José Martí e San
Martín.
NEIL
ARMSTRONG - 1930-
O primeiro homem a pisar na
Lua era maçom. Ele teria vestido seu avental sobre o traje lunar durante a
missão da Apolo 11, mas não há provas de que isso realmente tenha acontecido.
Para
saber mais
• Freemasons
H. Paul Jeffers, Kensington
Publishing, 2005 (em inglês).
Por
dentro do templo maçônico
Um passeio pela Grande Loja
da Argentina de Maçons Livres e Aceitos, com explicação para tudo que você
veria lá dentro
•
ALTAR
Corresponde ao Santo dos
Santos, o lugar mais sagrado do antigo Templo de Jerusalém. A poltrona central
é usada apenas pelo venerável-mestre, que conduz os rituais.
•
COMPASSO E ESQUADRO
Remetem ao tempo em que os maçons eram
pedreiros. Por desenhar círculos perfeitos, o compasso representa a busca da
perfeição. Já o ângulo reto do esquadro sugere honestidade. A letra “G” vem de
God – “Deus” em inglês.
•
SOL E CÉU AZUL
São vários os significados
atribuídos ao Sol na maçonaria.
Rente ao teto do templo, ele pode ser interpretado como conhecimento e
esclarecimento mental ou intelectual. O céu azul simboliza a natureza e o
Universo.
•
CIÊNCIA, JUSTIÇA E TRABALHO
Os 3 adultos à esquerda,
neste quadro do italiano Enrique Fabris, representam a ciência (ancião com a
tocha da razão), a justiça (mãe carregando o filho) e o trabalho (homem
vigoroso com ferramentas). A esfinge central refere-se à sociedade iniciática e
o longo caminho a ser seguido pelo homem na busca do conhecimento. O Sol
simboliza a natureza, presente em seus 4 elementos: água, fogo, ar e terra.
Deles, apenas a água não pode ser dominada pelo homem – daí o mar revolto no
quadro.
•
AVENTAL
Símbolo de
trabalho, ele protege o maçom e
indica seu grau (na foto, Angel Jorge Clavero, grão-mestre da Loja Argentina de Maçons Livres
e Aceitos). As luvas, sempre brancas, significam pureza, retidão moral e
igualdade.
•
ESTRELA DO ORIENTE
Com 5 pontas, ela simboliza
o homem em seus 5 aspectos – físico, mental, emocional, intuitivo e espiritual.
Ao fundo, observa-se a pirâmide com o olho que tudo vê, uma alusão a Deus.
•
PISO XADREZ
Representa povos do mundo
unidos pela maçonaria. Os triângulos e quadrados simbolizam a harmonia que pode
existir na diversidade. Também sintetizam os contrários: Bem e Mal, corpo e
espírito.
E-mail: apocalipsedosanjos@hotmail.com
Twitter: @Noitedoanjo
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