Manuscrito Voynich é um
misterioso livro ilustrado
com um conteúdo incompreensível. Imagina-se que tenha sido escrito há
aproximadamente 600 anos por um autor desconhecido que se utilizou de um sistema de escrita não-identificado e uma linguagem
ininteligível. É conhecido como "o livro que ninguém consegue ler".[1]
Ao longo de sua existência
registrada, o manuscrito Voynich tem sido objeto de intenso estudo por parte de
muitos criptógrafos
amadores e profissionais, incluindo alguns dos maiores decifradores norte-americanos
e britânicos
ao tempo da Segunda Guerra Mundial (todos os quais
falharam em decifrar uma única palavra). Esta sucessão de falhas transformou o
manuscrito Voynich num tema famoso da história da
criptografia, mas também contribuiu para lhe atribuir a teoria de ser
simplesmente um embuste
muito bem tramado – uma sequência arbitrária de símbolos.
A teoria hoje mais aceita é
de que o manuscrito tenha sido criado como arte no século XVI como uma fraude.
O fraudador teria sido o mago, astrólogo e falsário
inglês Edward
Kelley com ajuda do filósofo John Dee para enganar Rodolfo II da Germânia (do Sacro Império Romano-Germânico).
O livro ganhou o nome do
livreiro polaco-estadunidense
Wilfrid M. Voynich, que o comprou em 1912. A partir de 2005, o manuscrito
Voynich passou a ser o item MS 408 na Beinecke Rare
Book and Manuscript Library da Universidade de Yale. A primeira edição fac-símile
foi publicada em 2005 (Le Code Voynich), com uma curta apresentação em francês
do editor, Jean-Claude Gawsewitch, ISBN 2350130223.
Características
O volume, escrito em pergaminho
de vitelo, é relativamente pequeno: 16 cm de largura, 22 de altura, 4 de
espessura. São 122 folhas, num total de 204 páginas. Estudos consideram que o
original teria 272 páginas em 17 conjuntos de 16 páginas cada, outros falam em
116 folhas originais, tendo 1 se perdido.
Percebe-se, pelos espaços ao
final direito das linhas, que o texto é escrito da esquerda para a direita, sem
pontuação. Análise grafológica mostra uma boa fluência. No total são cerca de
170 mil caracteres, 20 a 30 letras se repetem, umas 12 aparecem só 1 ou 2
vezes; Os espaços indicam haver 35 mil palavras; os caracteres têm boa
distribuição quantitativa e de posição, alguns podem se repetir (2 e 3 vezes),
outros não, alguns só aparecem no início de palavras, outros só no fim;
análises estatísticas (análise de frequência de letras) dão ideia de uma língua
natural, europeia, algo como inglês
ou línguas românicas.
Conforme o linguista Jacques
Guy, a aparente estrutura do texto indica semelhanças com línguas da Ásia do
Sul e Central, sendo talvez uma Língua
tonal, algo como línguas Sino-tibetanas, Austro-asiáticas ou Tai.
Conforme datação por Carbono 14
feita pela Universidade do Arizona, o pergaminho data
do início do século XV[1];
Conforme análise do “Mc.Crone Research Institut” a tinta é da mesma época,
embora as cores dos desenhos sejam posteriores.
Nas páginas finais aparecem
anotações mais recentes feitas em letras latinas nas formas de alfabetos
europeus do século XV.
Descoberta
O manuscrito Voynich deve
sua denominação a Wilfrid Michael Voynich, um americano de
ascendência polonesa,
mercador de livros, que adquiriu o livro no colégio
Jesuíta de Villa Mondragone, em Frascati, em 1912, através de padre
jesuíta Giuseppe (Joseph) Strickland (1864-1915). Os Jesuítas precisavam de
fundos para restaurar a vila e venderam a Voynich 30 volumes da sua biblioteca,
que era formada por volumes do Colégio Romano que tinham sido transportados ao
colégio de Mondragone junto com a biblioteca geral dos Jesuítas, para evitar
sua expropriação pelo novo Reino de Itália. Entre esses livros
estava o misterioso manuscrito.
Com o livro, Voynich
encontrou uma carta de Johannes Marcus Marci (1595-1667), reitor da Universidade de Praga e médico real de Rodolfo II da Germânia, com a qual enviava o
livro a Roma, ao
amigo polígrafo
Athanasius Kircher para que o decifrasse.
Na carta, que ostenta no
cabeçalho Praga, 19 de agosto de 1665 (ou 1666), Marci declarava ter herdado o
manuscrito medieval de um amigo seu (conforme revelaram pesquisas,
era um muito conhecido alquimista de nome Georg Baresch), e que seu dono
anterior, o Imperador Rodolfo II do Sacro Império Romano, o adquirira por 600 Ducados,
cifra muito elevada, acreditando que se tratasse de algo escrito por Roger Bacon.
Voynich afirmou que o livro
continha pequenas anotações em Grego
antigo e datou o mesmo do século
XIII.
A definição da data do
pergaminho ainda é controversa, mas é possível situar a elaboração do texto no
final do século XVII: uma análise por radiação infravermelha revela a presença de
uma assinatura sucessivamente apagada: Jacobi a Tepenece, na época Jacobus Horcicki, morto em 1622 e principal
alquimista a serviço de Rodolfo II do Sacro Império. Como “Jacobi” recebeu o
título de Tepenece em 1608,
isso prova não ser confiável informação da aquisição do manuscrito antes disso.
Além disso, uma das plantas
representadas em desenho na Seção "Botânica"
é quase idêntica ao girassol, que somente passou a existir na Europa depois do Descobrimento da América, o que leva o
manuscrito a ser posterior a 1492.
Criptografia
Muitos, ao longo do tempo, e
principalmente em tempos mais recentes, tentaram decifrar a escrita e a língua
desconhecidas do manuscrito Voynich. O primeiro a ter afirmado que decifrara a
escrita foi William Newbold, professor de filosofia
medieval na Universidade da Pensilvânia. Em 1921 publicou um artigo
no qual apresentava um proceder complexo e arbitrário pelo qual decifrara o
texto. O texto como visível, segundo ele, não tinha significado, o verdadeiro
conteúdo seria um subtexto micro-grafado, com marcas mínúsculas ocultas nos
caracteres maiores. O texto real era escrito em Latim, camuflado nas
marcas quase invisíveis, sendo obra de Roger Bacon.
A conclusão que Newbold tirou de sua tradução dizia que já no final da Idade
Média seriam conhecidas noções de Astrofísica
de Biologia molecular.
Nos anos 40, os criptógrafos
Joseph Martin Feely e Leonell C. Strong aplicaram ao documento um outro sistema
de decifração, tentando encontrar carateres latinos
nos espaços claros, brancos. A tentativa apresentou resultados sem significado.
O manuscrito foi o único a resistir às análises dos “experts” de criptografia
da marinha americana
que ao fim da guerra estudaram e analisaram alguns antigos
códigos cifrados para testar os novos sistemas de codificação.
J.M. Feely publicou uma
dedução no livro “Roger Bacon's Cipher: The Right Key Found" no qual, mais
uma vez, volta-se a atribuir a Bacon a paternidade do livro misterioso.
Em 1945 o professor
William F. Friedman constituiu em Washington
um grupo de estudiosos, o “First Voynich Manuscript Study Group (FSG)”. A opção
foi por uma abordagem mais metódica e objetiva, a qual levou à percepção a
grande repetição de “palavras” e alguns trechos no texto do manuscrito. No
entanto, independente da opinião formada ao longo dos anos quanto ao caráter
artificial da tal linguagem, na prática, a busca terminou em impasse: de fato
não serviu para transpor os caracteres em sinais convencionais, o que serviria
de ponto de partida para qualquer análise posterior.
O professor Robert
Brumbaugh, docente de filosofia medieval de Yale, e o cientista
Gordon Rugg, na sequência de pesquisas linguísticas, assumiram a teoria que
veria o Voynich como um simples expediente fraudulento, visando a desfrutar, na
época, do sucesso que obtinham as obras de natureza esotéricas
junto às cortes europeias.
Em 1978 o filólogo
diletante John Stojko acreditou ter reconhecido a língua, declarando que se
tratava do ucraniano com a vogais removidas. A
tal tradução, no entanto, apesar de apresentar alguns passos num sentido
aparentemente lógico (Ex.: O Vazio é aquilo pelo qual combate o "Olho do
Pequeno Deus") não correspondia aos desenhos.
Em 1987 o físico Leo
Levitov atribuiu o texto aos hereges Cátaros, pensando ter interpretado o texto como uma mistura
de diversas línguas medievais da Europa
Central. O texto, porém, não correspondia à cultura cátara e tradução não
fazia muito sentido.
O estudo mais significativo
nessa matéria é hoje aquele feito em 1976 por William Ralph Bennett, que aplicou estudos de
casuística e estatística de letras e palavras do texto, colocando em foco não
somente a repetição, mas também a simplicidade léxica e a baixíssima Entropia da informação. A linguagem contida
no Voynich não somente teria um vocabulário muito limitado, mas também uma
basicidade linguística encontrada somente na Língua
havaiana. O fato de que as mesmas “sílabas” e ainda palavras inteiras venham
repetidas mostra algo que parece uma zombaria relacionada a uma visão mais
complacente, inconscientemente, mas não deliberadamente enigmático.
O alfabeto
utilizado, além de não ter sido ainda decifrado, é único. Foram, no entanto,
reconhecidas 19 a 28 possíveis letras, que não têm nenhuma ligação ou
correspondência perceptível com os alfabetos hoje conhecidos. Em alguns pontos
encontram-se quatro palavras ou mais repetidas de forma consecutiva.
Suspeita-se também que foram usados dois alfabetos complementares, mas não
iguais, e que o manuscrito teria sido redigido por mais de uma pessoa.
É imprescindível e
significativo lembrar que a total falta de erros ortográficos perceptíveis, de
pontos riscados ou apagados, hesitações, é estranha, pois tais falhas sempre
ocorreram em todos os manuscritos que já foram localizados e analisados.
Hipótese filosófica
As palavras contidas no
manuscrito apresentam frequentes repetições de sílabas, o que levou alguns
estudiosos (William Friedman e John Tiltman) a levantar a
hipótese de se tratar de uma língua Filosófica, ou seja, Artificial, na qual cada palavra é composta de um
conjunto de letras que lembram uma divisão dos substantivos em categorias.
O exemplo mais claro de
língua artificial é a “Língua analítica de John Wilkins”, também analisado no
conto homônimo de Jorge Luís Borges. Nessa língua, todos os seres
são catalogados em 40 categorias, subdivididas em sub-categorias e a cada uma é
associada uma sílaba ou uma letra: desse modo, por exemplo, a classe geral
“cor” é indicada como “robo’”; assim, o vermelho será “robôs” e o amarelo
“robof” e assim por diante.
Essa hipótese baseava-se na
repetição de sílabas, mas até hoje ninguém conseguiu dar um senso razoável aos
prefixos silábicos repetidos. Além disso, as primeiras línguas artificiais
começaram a aparecer em épocas posteriores da provável compilação do
manuscrito. Quanto a esse pontos, não é uma restrição tão importante, pois é
fácil acreditar que idéia de línguas filosóficas é simples e poderia ser mais
antiga do que se pensa.
Uma hipótese contrária,
muito mais arriscada e audaciosa, é de que era um objetivo do manuscrito
sugerir que se tratava de uma língua artificial. O certo é que Johannes Marcus
Marci tinha contatos com Juan Caramuel y Lobkowitz, cujo livro
'Grammatica Audax' constituiu numa inspiração para a Língua analítica de
Wilkins.
Possível solução
Recentemente foi levantada a
hipótese que buscava entender o motivo da dificuldade para o texto ser
decifrado. Gordon Rugg, em julho de 2004, individualizou um método que poderia
ter sido seguido pelos autores hipotéticos para produzir “ruídos casuais” em
forma de sílabas e de palavras. Esse método, realizável mesmo com os recursos
de 1600, explicaria essa repetição de sílabas e de palavras, a essência básica
típica da escrita casual e tornaria verossímil a hipótese de o texto ser um
falso trabalho renascentista criado como arte para enganar qualquer
estudioso ou soberano.
Antes disso, o estudioso Jorge
Stolfi, da Universidade de Campinas (Brasil), havia
proposto a hipótese de que o texto fosse composto misturando sílabas casuais
tiradas de uma tabela de caracteres. Isso explicaria a regularidade das
repetições, mas não a ausência de outras estruturas de repetição, por exemplo,
das outras letras ligadas aos conjuntos repetitivos.
Rugg parte da ideia de que o
texto tenha sido composto com métodos combinatórios disponíveis por volta dos
anos 1400 a 1600: chamou sua atenção a chamada “Grade (tabela) de Cardano”,
criada por Girolamo Cardano em 1550. O método consiste
em sobrepor com uma tabela de caracteres ou com um texto uma segunda grade, com
apenas algumas pequenas casas (janelas) cortadas de modo a permitir ler a
tabela que fica atrás. A superposição oculta a parte supérflua do texto de
baixo, deixando visível a mensagem. Rugg reconduziu o método de criação com uma
grade de 36 x 40 casas, à qual sobrepôs uma máscara com três furos, compondo assim
os três elementos da palavra: prefixo, raiz central e sufixo.
O método, muito simples na
sua utilização, teria permitido ao anônimo autor do manuscrito as realização
muito rápida do texto partindo de um única grade (com casa cortada) colocada em
diversas posições. Isso acabou com a teoria de que o manuscrito fosse algo
falso, dado que um texto de tais proporções com características sintáticas
similares será muito difícil de ser feito sem um método dessa natureza.
Rugg determinou algumas
“regras básicas” do “Voynich” que poderiam reconduzir às características da
tabela usada pelo autor. Como exemplo, a tabela original tinha a provavelmente
as sílabas do lado direito mais longas, algo que se reflete nas maiores
dimensões dos prefixos em relação às sílabas seguintes. Ele ainda tentou
entender se o texto poderia se tratar de um segredo codificado no texto, mas a
análise o levou a excluir tal hipótese, pois, em função da complexidade de
construção das frases, é quase certo que a grade foi usada não para codificar o
texto, mas para escrevê-lo.
Pesquisas históricas
posteriores a esse estudo levaram a atribuir a John Dee e a Edward
Kelley o texto. Dee era um estudioso do Período Elisabetano e teria introduzido o
notório falsário Kelley na Corte de Rodolfo II (Sacro Império Romano) por volta de 1580. Kelley era mago,
além de falsificador, e assim conhecia truques matemáticos de Cardano, tendo
criado o texto a fim de obter uma vultosa cifra que lhe foi dada pelo
Imperador.
Bibliografia
(em inglês)
M. E. D'Imperio, The Voynich Manuscript: An Elegant Enigma, National Security Agency/Central Security
Service, 1978 (ISBN
0-89412-038-7) ;
(em inglês)
Robert S. Brumbaugh, The Most Mysterious Manuscript: The Voynich 'Roger
Bacon' Cipher Manuscript, 1978 ;
(em inglês)
John Stojko, Letters to God's Eye, 1978 (ISBN
0-533-04181-3) ;
(em inglês)
Leo Levitov, Solution of the Voynich Manuscript: A liturgical Manual for the
Endura Rite of the Cathari Heresy, the Cult of Isis, Aegean Park Press, 1987 (ISBN
0-89412-148-0) ;
(em espanhol) Marcelo Dos Santos Bollada, El
manuscrito Voynich, 2005
(ISBN
84-03-09587-2) ;
(em espanhol) Mario M. Pérez-Ruiz, El manuscrito
Voynich y la búsqueda de los mundos subyacentes, 2003 (ISBN
84-7556-216-7) ;
(em inglês)
Genny Kennedy, Rob Churchill, Voynich Manuscript, 2004 (ISBN
0-7528-5996-X) ;
(em inglês)
James E. Finn, Pandora's Hope: Humanity's Call to Adventure: A Short and
To-the-Point Essential Guide to the End of the World 2004 (ISBN
1-4137-3261-5) ;
(em inglês)
Lawrence et Nancy Goldstone, The Friar and the Cipher: Roger Bacon and the
Unsolved Mystery of the Most Unusual Manuscript in the World, 2005 (ISBN
0-7679-1473-2).
(em francês)
Le Code Voynich, prefazione di Pierre Barthélémy, Jean-Claude Gawsewitch
éditeur, 2005 (ISBN
2-35013-022-3) ;
(em espanhol) ABC del Manuscrito Voynich, Francisco
Violat Bordonau, 2006,
Ed. Asesores Astronomicos Cacerenos.
(em italiano)
Codice Voynich, Claudio Foti, 2008 (ISBN
978-1-4092-2054-1), Lulu.com
(em inglês)
Il Manoscritto di Dio, Michael Cordy, 2008 (ISBN
978-88-502-2131-8) ;
(em italiano)
Paolo Cortesi. Manoscritti segreti. Roma: Newton & Compton,
2003. 149-186 p. ISBN
88-541-0322-5
E-mail: apocalipsedosanjos@hotmail.com
Twitter: @Noitedoanjo
Nenhum comentário:
Postar um comentário