O texto abaixo deve ser lido
com cuidado, trata-se de um estudo católico sobre a influência da demonologia
europeia na tradição da umbanda brasileira. É um texto repleto de
preconceitos, mas que vale ser lido pelas referências dos vários nomes e livros
sobre ocultismo que traz. É mais umas das indicações de Shirlei Massapust,
talvez a mais incansável ocultista viva do lado de baixo do equador.
A Bruxaria Europeia
A bruxaria europeia entrou no Brasil via Portugal. Escreve Luís da Câmara Cascudo, em Meleagro (Rio 1951) p. 179: “A presença do feiticeiro, da feiticeira especialmente, é um documento histórico, uma constante etnográfica desde as manhãs do Brasil colonial. As denunciações e confissões prestadas ao Santo Ofício em Baía, 1591-1593, e Pernambuco, Paraíba, 1593- 1595, evidenciam a fauna prestigiosa da bruxaria europeia, em funcionamento normal e regular”. E cita uma porção de portuguesas, divulgadoras dos processos da magia tradicional. “Ao findar do séc. XVI o brasileiro estava com todos os elementos disponíveis do espírito para ser um fiel consulente do candomblé, muamba, macumba, canjerê e xangô. Os volumes que registraram as confissões e denúncias em Baía, Pernambuco e Paraíba evidenciam que a credulidade popular contemporânea tem raízes fundas na terra em que a raça se formou” (p. 181).
Nas Denunciações de
Pernambuco (1593-1595), segundo publicação feita por Rodolpho Garcia (São Paulo
1929), damos com as seguintes feiticeiras e bruxas: Ana Jácome, acusada de ter
embruxado uma menina recém-nascida de seis dias (pp. 24 s.); Lianor Martins, a
Salteadeira, que, como se dizia, tinha um familiar, uma medrácu1a, um buço de
lobo, uma carta de Santo Erasmo, semente do feito colhida na noite de São João
com um clérigo revestido e com esse arsenal mágico pod1a fazer com que os
homens quisessem bem às mulheres e vice-versa, com que os maridos não vissem o
que as mulheres faziam e outras coisas semelhantes (pp. 108-109); Felícia
Toulrinha, presa na cadeia pública por amancebada com um homem casado, tomou um
chapim, pregou-lhe no meio uma tesoura e, com os dedos indicadores colocados
abaixo dos anéis, levantou para o ar o chapim e de1xou-o cair, invocando o
diabo guedelhudo, o diabo orelhudo, o diabo felpudo, para que lhe dissessem se
certo homem ia por onde tinha dito que havia de ir (p. 187). -Mas não
conseguimos ver, nas Atas publicadas das “Denunciações”, nenhum processo que
lidasse diretamente com alguma bruxa “profissional”. Nos outros processos,
porém, ocorrem frequentemente casos de supostas feitiçarias, encantamentos e
envultamentos. Era sem dúvida bem difundida a superstição e a credulidade no
ambiente de origem européia do nosso século XVI.
Ora, a bruxaria europeia, a
"tradicional", dispõe de literatura própria, que encontra sua
expressão mais fiel no famoso Livro de São Cipriano. Ao lado dele há outros, do
mesmo tipo, como: As Verdadeiras Clavículas de Salomão, Enquiridião do Papa
Leão, Grimório do Papa Honório, O Dragão Vermelho, Os Maravilhosos Segredos do
Grande e Pequeno A/berto, O Livro Completo das Bruxas, O Livro do Feiticeiro,
Cruz de Caravaca, etc. Tudo traduzido para o português e exposto nas livrarias
do Brasil. Estão sempre entre a literatura umbandista ou “espiritualista”
(sic). Inclusive livrarias espíritas mais sérias e “ortodoxas”, como a LAKE de
São Paulo, expõem e propagam a literatura que poderíamos qualificar como
“sãociprianista”.
E a coisa não é de hoje. Em
1904 o conhecido jornalista João do Rio (Paulo Barreto) constatou que o Livro
de São Cipriano era, já então, o vademecum dos feiticeiros cariocas. Assim
lemos em As Religiões do Rio (edição de 1951), p. 40: “Mas o que não sabem os
que sustentam os feiticeiros, é que a base, o fundo de toda a sua ciência é o
Livro de S. Cipriano. Os maiores alufás, os mais complicados pais-de-santo, têm
escondida entre os tiras e a bicharada uma edição nada fantástica do S.
Cipriano. Enquanto criaturas chorosas esperam os quebrantos e as misturas
fatais, os negros soletram o S. Cipriano, à luz dos candeeiros...”.
Há diferentes edições do S. Cipriano. Temos várias na nossa coleção: “O Grande e Verdadeiro Livro de São Cipriano”, “O Antigo e Verdadeiro Livro de São Cipriano” e “O Único Verdadeiro Livro de São Cipriano”. Haverá outros, “mais autênticos”. Abrimos o “Antigo e Verdadeiro” (“única edição completa conforme antigo original”). Tem 411 páginas. Apresenta o material em quatro partes distintas: I. Tesouros do Feiticeiro; II. Verdadeiro Tesouro da Mágica; III. Enguerimanços de S. Cipriano ou Prodígios do Diabo; IV. Oráculo dos Segredos. Na primeira parte, além de esconjuros e orações supersticiosas misturadas com orações católicas, há dois tratados de cartomancia e um de astrologia. Nas outras partes há numerosas receitas para fazer amuletos e talismãs, inclusive uma para fazer pacto com o demônio. Fantasiam-se modos para fazer o mal, para obrigar o marido a ser, fiel, para forçar as mulheres a dizer tudo o que tencionam fazer, para ser feliz nos negócios, para fazer-se amar pelas mulheres, para obrigar a amar contra a vontade, para fazer casamentos, para ganhar no jogo, para apressar casamento, para ligar namorados, para obrigar as almas a fazer o que se deseja, para aquecer as mulheres frias, para saber se a pessoa ausente é fiel, para fazer ouro puro, etc.
Há diferentes edições do S. Cipriano. Temos várias na nossa coleção: “O Grande e Verdadeiro Livro de São Cipriano”, “O Antigo e Verdadeiro Livro de São Cipriano” e “O Único Verdadeiro Livro de São Cipriano”. Haverá outros, “mais autênticos”. Abrimos o “Antigo e Verdadeiro” (“única edição completa conforme antigo original”). Tem 411 páginas. Apresenta o material em quatro partes distintas: I. Tesouros do Feiticeiro; II. Verdadeiro Tesouro da Mágica; III. Enguerimanços de S. Cipriano ou Prodígios do Diabo; IV. Oráculo dos Segredos. Na primeira parte, além de esconjuros e orações supersticiosas misturadas com orações católicas, há dois tratados de cartomancia e um de astrologia. Nas outras partes há numerosas receitas para fazer amuletos e talismãs, inclusive uma para fazer pacto com o demônio. Fantasiam-se modos para fazer o mal, para obrigar o marido a ser, fiel, para forçar as mulheres a dizer tudo o que tencionam fazer, para ser feliz nos negócios, para fazer-se amar pelas mulheres, para obrigar a amar contra a vontade, para fazer casamentos, para ganhar no jogo, para apressar casamento, para ligar namorados, para obrigar as almas a fazer o que se deseja, para aquecer as mulheres frias, para saber se a pessoa ausente é fiel, para fazer ouro puro, etc.
O Enquiridião do Papa Leão é
apresentado como obra escrita pelo Pa.pa Leão III a Carlos Magno. São 174
páginas com orações supersticiosas, contra toda sorte de encantos, malefícios,
feitiçarias, sortilégios, visões, obstáculos, malefícios de casamentos, etc.
Apresenta também sinais cabalísticos com forças misteriosas contra o demônio e
as adversidades. Muitas vezes o texto é totalmente ininteligível, como, por
exemplo, este da p. 89: “Adonay, Jod, Magister, dicit Jo. Oh bom Jesus,
exorcisa-me! Manuel, Sathor, Jessé, adorável Tetragrammaton. Heli, Heli, Heli,
Laebé Hey Hámy, este é meu corpo Tetragrammaton...”.
Já o Grimórios do Papa
Honório (“Os misteriosos segredos ocultos do Papa Honório”), traduzido do
francês, é um produto da mais consumada malícia. Tudo é apresentado
piedosamente sob forma de uma Constituição Apostólica de Honório III. Entre
blasfemas invocações do Santo Nome de Deus, da Santíssima Trindade, de Jesus,
da Eucaristia, entre numerosas prescrições de Pai-Nossos, Ave-Marias, jejuns e
santas missas, apresentam-se fórmulas de conjurações de demônios, espíritos e
divindades. Há encantos, feitiços e magias para ver os espíritos dos quais o ar
está cheio, para atrair uma moça por mais esperta que seja, para ganhar no
jogo, para tornar-se invisível, para possuir ouro e prata, para ter o corpo
fechado contra todos os tipos de armas, para fazer vir uma pessoa, para fazer
uma moça dançar nua, para tirar o sono de alguém, para gozar e possuir a mulher
a quem se deseja (é o “segredo do Padre Girard”!), para romper e destruir todos
os malefícios, para aprisionar cavalos, equipagem e extraviar uma pessoa, para
ajudar lebres nos partos difíceis e contra uma porção de doenças. Para calcular
a maldade com que são misturadas as coisas mais sujas com as mais santas,
veja-se a receita indicada na p. 90, “para fazer uma moça dançar nua”: é
preciso escrever o nome da moça num pergaminho novo com uma pena molhada no
sangue de um morcego e colocá-la debaixo da laje de um altar “a fim de que uma
Missa seja rezada em cima”... E tudo isso numa Constituição Apostólica do Papa
Honório III...
As Verdadeiras Clavículas de
Salomão (“ou o Tesouro das Ciências Ocultas... acompanhadas de um grande número
de segredos”), como também O Dragão Vermelho, outra forma das “Clavículas”,
pretendem ensinar o modo como fazer pactos com os demônios. Descrevem o modo de
“consagrar” os objetos necessários para o “trabalho” (faca, lancêta,
defumadores, tinta, penas, sal), como sacrificar os animais (cabrito e galo
preto), etc. Dão uma lista enorme de demônios, com nomes e especialidades,
fazendo recordar a lista dos Exus da Umbanda. Há também os mais variados sinais
(desenhos) cabalísticos, capazes de atrair o respectivo espírito, exatamente
como os “pontos riscados” dos umbandistas.
Cheio de perversidades está
O Livro Completo das Bruxas, “o único verdadeiro, completo e de acordo com os
manuscritos existentes nos museus de Londres, Cairo e Louvre, bem como de
diversos países do Oriente”. Sabe o A., exatamente, que os habitantes do
Inferno estão divididos em 6.666 legiões, contendo cada uma 6.666 elementos, o
que dá um total de 44.435.556. E que cada diabo vive aproximadamente 680.400
anos.
Bem no início da obra temos
também os mandamentos da bruxa: 1) Renegar a Deus; 2) blasfemar continuamente;
3) adorar ao diabo; 4) esforçar-se por não ter filhos; 5) jurar em nome do
diabo; 6) alimentar-se de carnes; 7) imaginar que pratica o ato sexual com o
diabo, todas as noites; 8) trazer consigo a imagem do diabo; 9) lavar o rosto e
pentear-se de 4 em 4 dias; 10) tornar banho cada 42.º dia; 11) mudar de roupa
cada 57.º dia; 12) Se for homem, barbear-se cada 91.º dia; 13) não cortar nem
polir as unhas... Também deverá comer quatro dentes de alho, sem tempero
nenhum, em cada refeição, de quatro em quatro horas.
Entre cruzes, Pai-Nossos e
Ave-Marias, invocações de Lúcifer e Satanás, conjurações e esconjuras, aparecem
mil formas e fórmulas para praticar o mal e enfeitiçar meio mundo, num ambiente
de meia-noite, sexta-feira, lua minguante e encruzilhadas, recorrendo a gatas
pretas, galos pretos, galinhas pretas, bodes pretos, sapos pretos, ouriços
pretos, corujas pretas, olhos de cães pretos, ovos de galinhas pretas, miolo de
burro, corações de pombas pretas, sangue de rã, rim de lebre, pernas esquerdas
de galinhas pretas, fígados de rouxinol; com o auxílio de panos pretos, seda
vermelha, azeite, farofa, moedas, urinas, suores, ervas, raízes, flores, pedras
de cevar, filtros de amor, cavalos marinhos, estrelas do mar, figas de Guiné,
de arruda e de azeviche... É o bazar barato e constante da feitiçaria
universal, sempre preocupada com questões de saúde, problemas de fortuna e os
mistérios do amor.
Continua, assim, abundante a
literatura da bruxaria européia: Lá está o Breviário de Nostradamus, outro
Livro da Bruxa, o Tratado de Magia Oculta, o Livro dos Sonhos, o Livro do
Feiticeiro e mais obras de Astrologia, Cartomancia e Quiromancia, sem esquecer
os livros de Papus, Eliphas Levi, do Círculo Esotérico da Comunhão do
Pensamento, das Sociedades Teosóficas, dos Rosacruzes, de Allan Kardec.
Eis as causas remotas da
Umbanda. O movimento umbandista ainda está na fase de formação e elaboração.
Mas é nestes elementos de origem africana, ameríndia e européia que os
dirigentes da Umbanda encontram sua principal fonte. Há, certamente, também o
aspecto cristão ou católico, e com ele ainda nos ocuparemos. É, porém, mais um
elemento para a superfície, de decoração ou de fachada. O cerne da Umbanda não
é cristão: é profunda e visceralmente contrário à autêntica vida cristã. A
idolatria e as superstições do paganismo constituem a verdadeira essência do
Espiritismo Umbandista. Quem conhece a vida e as práticas dos nossos terreiros
ou tendas, reconhecerá imediatamente as várias causas que acabamos de lembrar.
Fonte:
KLOPPENBURG, Boaventura. A
Umbanda no Brasil: Orientação para os católicos. Petrópolis, Vozes, 1961, p
37-41.
E-mail: apocalipsedosanjos@hotmail.com
Twitter: @Noitedoanjo
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