Introdução
Segundo a lenda, Osíris foi
um bom governante do Egito. Seth, seu írmão, movido pela inveja e utilizando as
suas artes maléficas, mandou assassiná-lo e cortá-lo em pedaços. A esposa de
Osíris, Ísis, procurou os seus restos por todo o Egito e, com a ajuda de
Néftis, embalsamou-o. A maldade de Seth não ficou impune, uma vez que os
Deuses, instigados por Hórus, filho de Osíris, o levaram a julgamento e o
condenaram. Baseados nisso, os egípcios, inclusive o faraó, deviam submeter-se
a este julgamento para poder gozar junto a Osíris de uma eternidade nos campos
de Iaru (paraíso).
Origens
Embora as origens dessa
crença remontem ao Antigo Império, segundo atestam alguns túmulos, as
representações da psicostasia foram mais abundantes durante o Novo Império.
Diodoro Sículo (século I a.C.) também fala de um tribunal a que se submetia a
múmia antes de ser sepultada. Antes de chegar à Sala das Duas Verdades para o
julgamento, o morto já se havia purificado mediante alguns rituais e para
agradar aos deuses, oferecia-lhe flores de lótus, símbolo da criação e do
renascimento, pois essas flores fecham-se à noite e abrem-se de dia. Antes da
Pesagem das Almas (Julgamento) ocorria a mumificação, que para os antigos
egípcios era um ritual sagrado, para eles o corpo era constituído de diversas
partes: o ba, ou alma, o ka, ou força vital, e o akh, ou força divina
inspiradora da vida. Para alcançar a vida depois da morte, o ka necessitava de
um suporte material, que habitualmente era o corpo (khet) do morto. Este devia
manter-se incorrupto, o que se conseguia com a técnica da mumificação. Os sacerdotes
funerários encarregavam-se de extrair e embalsamar as vísceras do corpo. A
técnica de embalsamar era muito complicada, e os sacerdotes deviam ter
conhecimentos de anatomia para extrair os órgãos sem danificá-los.
Primeiro extraíam o cérebro introduzindo um gancho no nariz, depois de terem partido o osso etmóide. A seguir; marcavam, com um pincel, uma linha no lado esquerdo do corpo, onde faziam um corte para extraír as vísceras. O coração, que devia controlar o corpo no Além, e os rins, aos quais o acesso era difícil ou por motivos ainda não revelados (descobertos), permaneciam dentro do morto. As vísceras eram lavadas com substâncias aromáticas e colocadas em Vasos Canopos (vasos ou urnas de pedra), representando divindades chamadas Filhos de Hórus, que protegiam as vísceras da destruíção. Eram quatro vasos, com tampas em forma de homem, de chacal, de falcão e de macaco. A partir da XXI dinastia, estes órgãos eram enfaixados e colocados dentro do corpo do morto.
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IMSET O fígado ficava
em um vaso com tampa em forma de cabeça humana
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DUAMUTEF O estômago
era guardado em um vaso com tampa em forma de chacal ou cão selvagem
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KEBEHSENUEF Um vaso
com a cabeça de falcão guardava os intestinos
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HAPI Os pulmões eram
guardados em um vaso com cabeça de babuíno
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A seguir, o corpo era depositado em natrão (carbonato de sódio natural) durante algum tempo e, depois, lavado e massageado com perfumes, óleos e incenso para a cabeça. Colocavam-se olhos de vidro, para dar sensação de realidade, cobria-se a incisão do lado esquerdo do corpo, da qual eram extraídas as vísceras, com uma placa de madeira, cera ou metal com o símbolo Udyat (Olho de Hórus). Assim, o cadáver estava pronto para ser enfaixado.
O morto devia ser
reconhecido no Além. Por isso, depois de enfaixado o corpo mumificado,
colocava-se uma máscara com um retrato idealizado do morto. As máscaras dos
faraós eram feitas de ouro e lápis-lazúli. Segundo os egípcios, a carne dos
deuses era de ouro, seu cabelo de lápis-lazúli e os ossos de prata, material
muito raro no Egito. Os faraós eram representados como o Deus Osíris, soberano
dos mortos. Na cabeça levavam o nemes, adorno listrado enfeitado na parte da
frente com a serpente protetora dos faraós. Os braços ficavam cruzados sobre o
peito. Numa das mãos, seguravam o cetro real e na outra, um chicote. Uma vez
preparado o cadáver e depositado no sarcófago, fazia-se uma procissão. Quando a
procissão chegava ao túmulo, o sacerdote realizava o ritual de abrir a boca da
múmia, para que ela (múmia) voltasse à vida. Todo o material funerário,
juntamente com o sarcófago e as oferendas, era depositado no túmulo, que, a
seguir, era selado para que nada perturbasse o eterno repouso do defunto.
Assim, o morto iniciava um longo percurso pelo mundo Além-Túmulo.
Anupu (Anúbis), guardião das necrópoles e Deus da mumificação, levava-o perante Osíris, soberano do reino dos mortos, o qual, juntamente com outros deuses, realizava a chamada psicostasia, em que o coração do defunto era pesado. Se as más ações fossem mais pesadas que uma pena, o morto iria para o Inferno Egípcio. Se passasse satisfatoriamente por essa prova, podia percorrer o mundo subterrâneo, cheio de perigos, até o paraíso (Campos de Iaru). A cerimônia da psicostasia (julgamento) realizava-se na Sala das Duas Verdades. Em uma das extremidades dessa sala, encontrava-se Osíris, sentado no trono e acompanhado por outros Deuses e 42 juízes. No centro da sala, colocava-se a balança em que se pesava o coração. Representado por um chacal ou por um cão deitado, ou ainda pela figura de um homem com cabeça de chacal ou de cão, o deus Anúbis (Anupu em egípcio, "o que conta os corações") era um dos responsáveis pelo julgamento dos mortos no além-túmulo.
Enquanto o morto fazia sua declaração, Anúbis ajoelhava-se junto a uma grande balança colocada no meio do salão e ajustava o fiel com uma das mãos, ao mesmo tempo em que segurava o prato direito com a outra. O coração do finado era colocado num dos pratos e, no outro, uma pena, símbolo de Maat, a deusa da verdade (a verdade era o contrapeso com o qual se pesava o coração do morto durante o julgamento). O coração humano era considerado pelos egípcios a sede da consciência.
Assim, ao ser pesado contra a verdade, verificava-se a exatidâo dos protestos de inocência do defunto. Como as negativas vinham de seus próprios lábios, ele seria julgado pelo confronto com o seu próprio coração na balança. Diante dessas divindades e juízes, o morto devia realizar a confissão negativa, a sua declaração de inocência. Antes de fazê-la, o morto dirigia-se ao seu coração e pedindo-lhe que não o contradissesse. Freqüentemente, esta fórmula aparecia escrita no "escaravelho do coração", um amuleto que se colocava entre as ataduras da múmia, perto do coração. Depois de recitar essa fórmula, o morto colocava-se diante de cada um dos juízes e recitava outra fórmula, na qual se declara inocente de todos os pecados: "Não pratiquei pecados contra os homens. Não maltratei os meus parentes. Não obriguei ninguém a trabalhar para lá do que era legítimo. Não pratiquei enganos com o peso da minha balança. Não causei a fome de ninguém. Não pratiquei fraudes na medição dos campos. Não subtrai o leite da boca das crianças."
Curiosamente, essa declaração era à respeito de atos cometidos contra os homens e não contra os deuses. Se o morto tivesse pecado, o prato da balança pesava mais, não era absolvido no julgamento e tornava-se demônio, que ameaçava o equilíbrio cósmico, e Amut, um monstro com cabeça de crocodilo e patas de leão e de hipopótamo, devorava-o. Se não fosse devorado, deuses como Chesmu arrancavam-lhe a cabeça e inflingiam-lhe uma série interminável de castigos (Inferno Egípcio). Só os justos de coração eram admitidos no reino de Osíris, nos Campos de Iaru, o que era o desejo de cada egípcio, identificar-se com Osíris (Deus dos Mortos) e assim poder renascer como ele o fizera (essa identificação com o deus vem expressa no Livro dos Mortos). O morto absolvido no julgamento ia para o paraíso, este era representado como uma planície com canais, à qual se chegava por uma escada. Ali se vivia feliz, porque os uchebtis realizavam todo o trabalho.
Os uchebtis, significa
"os que respondem", eram pequenas estatuetas colocadas no túmulo para
servir o morto no Além. Os mais valiosos eram feitos de ouro e de lápis-lazúli,
mas também havia os fabricados em terracota, pedra, faiança ou madeira. Muitas
vezes eram figuras masculinas, com um arado ou uma enxada e um cesto às costas.
Na parte da frente, escrevia-se um capítulo do Livro dos Mortos. Ao recitar
esse texto, ganhavam vida e podiam trabalhar no lugar do morto. Em alguns
túmulos encontraram-se 365 uchebtis, uma para cada dia do ano. Nos túmulos dos
faraós, o número de uchebtis pode ser até superior.
A Psicostasia Românica
"A idéia de um
julgamento após a morte, de um castigo para os ímpios e de uma recompensa para
os justos não é patrimônio exclusivo dos egípcios. A balança como instrumento
de justiça aparece na Índia, no Japão e no Tibet, tal como no mazdeísmo, no cristianismo
e no islamismo. As mitologias grega e romana falam de um julgamento no Além e
descrevem o paraíso para os justos e o inferno para os maus."
"O cristianismo reuniu
e adaptou algumas dessas crenças. No livro Apocalipse, fala-se de um Juízo
Final e de um julgamento particularizado depois da morte, com recompensas e
castigos. O tema da pesagem da alma, da balança nas mãos de um arcanjo, como
São Miguel, ou de algum santo, foi um tema muito comum durante a Idade Média.
Note que os capitéis, as colunas e os tímpanos das portas das igrejas aparecem
decorados com cenas assim."
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